No coletivo

Ao subir no ônibus, René já percebe a superlotação e fica na parte da frente. De imediato nota duas meninas sentadas em uma só cadeira. Elas aparentavam oito anos de idade, cabelos secos, roupas surradas, pernas à mostra com marcas de cicatrizes, as mãos sujas compartilhavam uma rapadura, no chão do transporte coletivo havia duas sacolas, que mais tarde ele pôde ver que eram blocos de queijo, três grandes pedaços em cada recipiente. René observava aquelas inocentes criaturas de Deus, perguntando-se de onde viriam, onde estariam seus pais, que futuro teriam. Enquanto isso, do outro lado da catraca, via dois malandros, já imaginando qualquer movimento suspeito. O medo de um possível assalto o afligia. Ele não tinha medo da morte, apenas da dor, da dor, da dor e da dor... a do momento, talvez uma que durasse tanto antes dela, a que os outros poderiam ter, quem sabe a de depois dela. Inferno ou purgatório? Via também uma senhora idosa que tentava se equilibrar com as compras e quase caía com a curva brusca. Alguém, vendo o episódio, cedia-lhe o assento. Outra tentava pedir parada, porém não conseguia porque sua baixa estatura não permitia, algum sujeito de bom coração e de altura mais elevada fazia-lhe o favor. Ela sorria agradecendo. Um velho cochilava. Um jovem ouvia música no celular e os outros que estavam perto, também escutavam a mesma bobagem. Um bebê dormia nos braços da mãe e no calor infernal que fazia. O motorista acelerava. Do outro lado da janela, o povo transitava, as calçadas e ruas repletas de lixo, alguém de dentro jogava uma garrafa de água, somava mais uma embalagem as tantas outras que havia nas vias. Um odor de esgoto era sentido por René, em seguida cheiro de comida gostosa...

Chega ao terminal de ônibus. René descia e sua preocupação de outrora com as crianças da frente ia junto na viajem delas, que seguia. Aonde iriam? Teriam tomado café-da-manhã? Será que aquela rapadura seria sua primeira refeição? Onde teriam achado aquele alimento?