As oportunidades a Vida no dá

Era um sábado à tarde, o sol estava forte, mas gostoso, do jeito que se deseja quando se vai à praia. Sai de bicicleta rumo à praia de Boa Viajem. Naquela semana sai do emprego e estava com ares de reflexão, muito pensativo.

Depois de certo percurso na orla parei no “Point do Açaí”. Deixara minha bicicleta, nova e arrojada, bem a vista na calçada. Desfrutava do clima da orla da praia, pessoas correndo, fazendo exercícios, se exibindo... De fato, me sentindo venerável! Lembrara-se dos tempos de adolescência, quando sonhava com coisas as quais não tinha condições de ter acesso, principalmente por conta de dinheiro. Tinha alcançado até então um estilo de vida o qual antes me parecia bem distante. Naquele momento estava tomado de orgulho e exibição pelo que tinha alcançado. Vi passar uma senhora, aparentando trajes de mendicidade, catando latinhas no chão. Lembrei-me do tempo em que fazia o mesmo, não por necessidade, mas apenas pelo dinheiro para sustentar pequenas regalias as quais meu pai não permitia sustentar. Nunca passamos por grandes necessidades, mas em casa o estilo de vida sempre foi de significativa humildade. Meu pai sempre trabalhou muito por tão pouco. Como um tipo que eu mesmo pude atestar como trabalho escravo, pois, frequentei e trabalhei no mesmo ambiente de trabalho que ele. Uma lição que eu tive e que poucos desfrutam de sentir na pele o que passa o seu patriarca para sustentar sua família. Mas então, lá estava eu, na orla de boa viagem, passarela da elite recifense, ostentando um suco superfaturado, uma bicicleta no valor do salario de meu pai, trajes e acessórios bem fúteis e dignos de luxuria.

Reparei uma garota muito bonita perto de onde eu estava. Aparentemente muito simpática, estava acompanhada de um casal, mas mantinha certa distancia. Distraída, pensativa. Observei bem alguns detalhes como roupa, cabelo... Parecia ter um estilo simples o qual julguei não ser do tipo “patricinha”, das quais residem por ali por perto mesmo. Já estava encantado. Pronto, acreditando ser a chance de uma boa conversa, com alguém bem interessante. Imaginei ter bons motivos para iniciar um dialogo, em se tratando do clima e das condições ali presentes. O vento batia forte, sentia o cheiro de confiança, meu olhar já não lhe era mais despercebido, e eu mesmo notei a percepção dela sobre isso. É o jogo do flerte, o ritual dos sinais e da aprovação. Mas como sempre, demoro demais, como quem espera um Deus Ex Machina para tal empreitada.

De repente, uma senhora que passava empurrando um carrinho, desses de supermercado, cheio de latinhas, a mesma que me fizera lembrar-se dos episódios da adolescência, cai tropeçando no meio-fio e tombando junto com si o carrinho. Ouvi de um lado ou de outro alguma risada e comentário maroto. Muitos, como quem toma susto com algo pelas costas, mas logo se recompõe, desprezando o que quer que tenha ocorrido. No mesmo clima permaneci, sem ação ou preocupação. Em se tratando do lugar e do clima de arrogância que ali pairava que poderia eu fazer? Apenas continuei a degustação da iguaria e voltei a fitar a garota. Percebi que ela me encarou rapidamente e voltou sua atenção à mulher, que tentava e repor pouco a pouco as latinhas.

Subitamente, como num golpe da roda viva que levara O Grande Ozymadias, presenciei uma cena que marcaria o resto de minha vida.

Vi a garota se direcionando a senhora para ajuda-la. Ela se reportou com preocupação pela queda e se dispôs a catar as latas junto com ela. Senti naquele momento um pesar na consciência e um amargo no coração. Uma tapa na cara. A vida me dera mais uma lição, uma chance de acordar e prestar atenção ao que lhe é mais importante. Enxerguei ali duas oportunidades: uma, de mostrar ou impressionar alguém com um ato de humanismo e humildade sem discriminação. E outra, de provar a mim mesmo a dignidade e a origem de todas as minhas motivações. O altruísmo sempre foi uma formula que busquei pra mim mesmo, pois, vivi e presenciei diversas formas de tristeza perante a fraqueza e a dependência que o ser humano possui no que diz respeito ao convívio social.

Eu estava tomado de arrogância e ostentação pelas coisas que tinha alcançado e esquecera-se da simplicidade que sempre tive, sendo desmascarado frente a mim mesmo naquele ocorrido. Considerando o fato de ter saído do emprego, significava uma queda do meu império. Minha cabeça estava sobre o chão, adjacente às pernas, assim como a imagem do grande rei egípcio. Minha vaidade fora tombada pela efemeridade. Poderia ser eu quem carregasse aquele carrinho. Poderia ter precisado da ajuda daquela garota. A partir dali voltei para casa pensando na oportunidade que a vida me dera de aprender a melhor valorizar as coisas certas. Lembrei ainda de um ensinamento muito bonito que diz:

“A santidade está na ação justa e na coragem de proteger àqueles que não podem defender a si mesmo. A bondade, o que Deus deseja, esta na mente e no coração. Através do que você decidi fazer a cada dia você será um bom homem ou não”.

Jó de Lima
Enviado por Jó de Lima em 17/03/2014
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