MANTENHA AS LUZES DA CIDADE ACESA

Quando conheci Ana Maria, ela tinha pouco mais que 45 anos. Era uma mulher que se orgulhava em contar que a casa que morava tinha sido construída com dinheiro de seu esforço, mesmo tendo 4 filhos, ela sempre trabalhara para sustentá-los.

Ela fazia balas de coco gelada, fazia bolos de aniversário (e tudo isso no intervalo entre a casa e o trabalho!)

Seu marido, sempre trabalhava em outras cidades e ela tinha que cuidar e educar os filhos sozinha, pois ele só voltava para casa nos finais de mês.Chegava no sábado com as mãos cheias de presentes para todos e algum dinheiro e na segunda ia embora antes mesmo do nascer do sol.Durante as longas ausências do marido ela sempre ficava sabendo de algum “caso” dele, porém nunca foi investigar se era verdade, ou não.Para quê?Para sofrer mais...?E, assim o tempo passou. Os filhos cresceram.

Casaram. Saíram de casa um a um. Voltaram com os netos. Ela ficou feliz. O marido também voltou para ficar. Estava velho. Aposentou-se. Comprou um carro para passear com os netos e sair para pescar. Acomodou-se. Depois de toda uma vida viajando ele sossegou. Comprou uma espreguiçadeira e passou a sentar-se frente ao portão de sua casa todas as tardes, para olhar as pessoas passarem e seus netos brincando. (Nunca mais ela ouviu falar de algum “caso” dele...).

Agora, os filhos começaram a “enxergar” a mãe:

-Ana Maria estava diferente, estava esquecendo coisas simples. Coisas que ela fazia todos os dias. No inicio acreditaram ser normal (coisas da idade), mas Ana Maria tinha apenas 60 anos!

Ela começou a emagrecer devagarinho... Perguntaram se ela estava fazendo algum regime, porém a resposta foi “não”. Os filhos com a ajuda do pai passaram a observar os hábitos alimentares dela. Acabaram descobrindo que ela passava longas horas sem comer. Ao ser indagada a respeito ela respondeu de forma surpreendente:

-“Ué”... Eu não comi???

Ela estava se esquecendo de comer!!!

Então decidiram que Ana Maria deveria ir ao médico. Marcaram consulta e a levaram. Uma filha foi com ela.

Depois que a filha disse ao médico tudo sobre Ana Maria ele foi direto à resposta:

-Sua mãe tem Alzheimer. Ela precisará de cuidados além dos normais que ela já tinha. Quando se tem essa doença o mais comum é que a memória de curto prazo seja afetada primeiro. Depois, são as memórias cada vez mais antigas que são “apagadas” da lembrança, até o ponto em que ela será incapaz de recordar coisas de sua própria vida ou reconhecer seus familiares. Quando a gente não tem essa doença, nossa memória é como uma cidade iluminada. Com todas as luzes acesas, porém quando essa doença surge as luzes vão se apagando uma a uma.Até que todas se apagam e não mais se acendem.

Um dia desses falei com a filha de Ana Maria. Ela contou-me que o estágio da doença de sua mãe está avançando: Ela está se tornando agressiva com o marido. (Essa é a primeira fase a agressividade. Com o tempo a agressividade cederá espaço para a passividade).

Ana Maria ao ver o filho entrando em sua casa se assustou e falou:

-Quem é esse homem aí?

Wal Ispala
Enviado por Wal Ispala em 14/03/2014
Reeditado em 15/03/2014
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