Lagartas amargas
Durante anos elas entraram pela minha boca. Vieram de muitos beijos... Vieram de outras bocas. Elas não me pareciam perigosas afinal se beija de olhos fechados e não via nenhuma. Apenas um anjo soprava no meu ouvido : Cuidado! Ou não era anjo, talvez a minha própria intuição.
Mas quando depois de beijos e promessas não cumpridas, depois de ilusões quebradas e que senti o gosto amargo delas. Desciam corroendo pela minha garganta. Um ácido queimando que me fazia chorar de dor com gosto de fel. Eram lagartas que deixaram em minha boca.
Agora sim podia senti-las se remexendo dentro de mim. Podia sentir cada rastejar nojento que me provoca o asco de ter vivido aquela ilusão que agora me deixou assim: pura dor. Malditas lagartas na boca.
E a angústia que elas provocaram dava vontade de enfiar a mão na boca e tentar arrancá-las a força, abrir a garganta e tirá-las de lá de qualquer forma... A dor que elas causaram é insuportável. Elas corroem a estima. Elas comem aos pouquinhos os sonhos e cada sonho mordido é uma dor incalculável. Elas vieram alimentadas de doces mentiras e prazeres de momentos e isso anestesiava a sua entrada mas agora tudo que elas consumiam dentro de mim causava dor.
Então descobri que não havia cura, pesticida, remédio que matassem essas lagartas. Tinha apenas que ser forte e aguentar porque nada mais podia fazer.
Mas um dia elas pararam. Depois de muito tempo elas pararam de rastejar, mover, morder. Ficaram quietinhas. Era estranho depois de tanta dor que provocaram agora eram como estátuas. Imóveis e eu não as sentia e até mesmo cheguei a esquecer delas.
As lagartas amargas sumiram? Eu não sabia se sim ou não mas o tempo passou e pessoas novas vieram e quando eu senti de novo o anjo falar: É essa! As lagartas se remexeram dentro de mim. Mas não era mais dor.
Agora era suave, era doce, era gostoso o movimento delas no meu estômago. Era um frio na barriga, um arrepio na alma, um suor nas mãos e um sorriso nos lábios. Aí eu descobri que agora não existiam mais lagartas amargas dentro de mim e sim doces borboletas que me faziam sorrir.
Pensando bem, se eu não tivesse comido tantas lagartas amargas eu nunca teria tantas borboletas no estômago. Deus sabe das coisas...