Do pó das estrelas
Oito horas da noite e, contra todos os relatórios de segurança, caminho sozinho pelas ruas de Brasília, mais precisamente pela W3 Sul. O bom da escuridão é que não se enxerga o menor sinal da decadência na avenida. E o ruim é que, invariavelmente, tropeçamos ou caímos nos buracos ao longo de uma calçada que já estava lá há 50 anos. Até por isso, é com muita cautela que caminho olhando para o céu, em busca da lua e das estrelas que estão mais vistosas do que o habitual. Em matéria de astronomia, sou de uma ignorância exemplar. Passei a vida toda me preocupando com as coisas da terra, mas de vez em quando eu ainda ergo a cabeça e me deixo ficar embasbacado, chegando sempre a conclusões como “que loucura tudo isso”. Também me impressiona que nenhuma das pessoas que encontro esteja fazendo o mesmo. Há quem caminhe com a cabeça abaixada, mexendo no celular, mas erguida jamais. Todos apenas seguem adiante, aproveitando ao máximo a luz que conseguem sob os anúncios luminosos – já dizia um luminar da música gaúcha que, quando o néon é bom, toda noite é noite de luar.
Há na W3 um restaurante italiano que ainda sobrevive por pura tradição. Diante dele, no estacionamento que divide as pistas, um senhor senta em um banquinho e lá deve permanecer a noite toda, vigiando meia dúzia de carros. Logo adiante há um cruzamento em que um homem faz malabarismo, mas já está tão escuro que ele não enxerga muita coisa e por isso um dos malabares cai no chão. Na parte menos iluminada da calçada, sentado diante de uma porta, um homem solitário e misterioso devora a sua marmita. Ainda há luz em um salão de beleza, mas apenas porque tiram coisas de lá e levam para dentro de um carro – talvez também estejam saindo da W3. Pessoas, pessoas que encontro enquanto caminho à noite em Brasília sob um céu que brilha. Talvez elas tenham vindo mesmo do pó das estrelas e não passem de restos de uma supernova. Mas aqui embaixo já não há, nessa genealogia, o menor alívio.