Papel de Pão
Entre minha infância e pré-adolescência, por volta dos nove anos, meu pai tinha um bar, de duas portas, chamado Bar Caçula. Era um desses botecos onde se servem bebidas, café, salgadinhos e guloseimas diversas. Não havia empregados, toda a família ajudava de uma forma ou de outra.
Por vários motivos meu pai acabou vendendo o bar, mas suspeito que um deles seja pelo prejuízo que eu causava, quando eu me aboletava num banquinho junto a aqueles recipientes de vidro para balas e sistematicamente ia dando cabo dos amendoins japoneses, que, até hoje, continuam sendo uma espécie de vício para mim. Talvez meu pai achasse que os amendoins eram um produto bom de venda, dada a necessidade constante de reposição.
Meu pai, minha irmã mais velha e eu costumávamos ficar no balcão, enquanto em casa minha mãe fazia salgadinhos e minhas duas irmãs mais novas brincavam ou estudavam.
Naquela época havia um papel de embrulho a que chamávamos “papel de pão”, usado para embrulhar pão nas padarias e produtos diversos nos bares. Era um papel cinza retangular, mais ou menos de 30 cm por 40 cm, de qualidade inferior, semelhante aos papéis reciclados de hoje.
Perto do bar, descendo uma rua lateral por uns três quarteirões, havia uma grande área livre onde parques de diversões ou circos costumavam se apresentar de vez em quando. Um dia, chegou um circo.
O dono do circo fez amizade com meu pai e vinha de vez em quando beber uma dose de pinga. Lembro-me de um homem alto, de meia idade, rosto moreno, um pouco enrugado, simpático.
Um dia em que estávamos eu e minha irmã no bar, depois de beber sua pinga habitual, ele pegou um papel de pão, rasgou dois pequenos pedaços em forma retangular e escreveu algo neles. Entregou para minha irmã e disse que aqueles papéis representavam duas entradas para o circo, uma para ela e outra para mim, com uma data determinada.
É claro que fiquei exultante, pois eu queria muito assistir ao circo. A idéia, porém, parecia não ter agradado à minha irmã e ela disse-me que não iria. Como qualquer moleque chato que quer porque quer uma coisa, eu implorei, pedi, insisti muito com ela. Quando o dia chegou, continuei insistindo, desesperado, esperançoso ainda de que ela mudasse de ideia e perguntei afinal por que ela não queria ir. Então ela revelou o motivo de sua recusa: era o papel de pão! Ela não queria passar o vexame de entregar aqueles dois papéis de pão ao porteiro, com risco de serem recusados, por serem tão precários como entradas de circo.
Então, se o problema era esse, disse-lhe que deixasse comigo, eu entregaria os bilhetes. Mesmo assim ela ainda não se convencia a ir, mas já estava menos irredutível. E, talvez para se ver livre da minha cola, finalmente concordou, com a condição de que eu, então, entregasse os bilhetes.
Era uma matinê e lá fomos nós, em plena tarde de um dia no meio da semana, em direção ao circo, eu muito contente, com os dois papéis de pão na mão.
É claro que, chegando no circo, eu tive que ir à frente para entregar os bilhetes. Então, para minha surpresa, vi que o porteiro era o próprio dono do circo, que nos acolheu com alegria. Estava evidente que ficara feliz com nossa vinda. Toda a apreensão de minha irmã com relação à entrega dos bilhetes fora uma preocupação infundada. Ao longo de minha vida, fui aprendendo que muitas de nossas conjecturas pessimistas acerca dos acontecimentos são ilusórias, pois são advindas de temores de nossa imaginação. Nossa mente muitas vezes é preparada para prever as piores coisas, que nunca acontecem realmente.
Entramos no circo. Pode ser que aquele não tenha sido o circo mais sofisticado a que eu tenha assistido, mas com certeza foi o que mais prazer e alegria trouxe na minha vida.