ENSINAR A PESCAR OU DAR O PEIXE?

ENSINAR A PESCAR OU DAR O PEIXE?
Sou de uma família de cinco irmãos. Quando comecei meus estudos com sete anos, meu pai estava desempregado. Todos os dias ele saía e à tarde voltava com pão, carne e o que precisasse. Soube depois que ele saía procurando emprego e ao mesmo tempo se oferecendo pra qualquer trabalho momentâneo tipo descarregar um caminhão de tijolos, colocar areia dentro de um pátio... Por isso vinha sempre com alguma coisa pra nós comermos! Porém às vezes faltava tudo, então minha mãe fervia água, colocava açúcar e pedaços de pão e nos dava! Era o verdadeiro pão e água. E nós estudávamos! Merenda? Só às vezes! Naquela época o uniforme era obrigatório e o governo não dava nada. Meus pais compravam tudo, uniforme, lápis, caderno, borracha pra todos os filhos! Quando o lápis ficava um toquinho eu colocava uma tampinha de caneta pra ele aumentar de tamanho e eu poder segurar. Brinquedos? Nenhum! Bonecas? Só de papel! Meu irmão jogava bolinha de gude e fazia seus próprios caminhões de lata! Ele trabalhava desde os nove anos vendendo jornal!
Íamos no inverno de tamanquinho e quase sem agasalho! Uma vez, criança ainda sentia tanto frio que minha professora me colocou debaixo do casaco dela. Sorte que sempre fui mignon! Quando chovia, colocávamos os cadernos no saco plástico do arroz pra não molhar! Mas em nada isto afetou nossa inteligência, eu sempre fui a primeira aluna da classe! E todo mundo aprendia! Foi difícil? FOI! Mas foi muito mais difícil para nossos pais que deviam ficar preocupados, eu imagino! Nunca notei nenhuma tristeza por parte deles. E tinha um ingrediente importante nisto tudo: Meus pais se amavam. Éramos felizes! Porque felicidade não depende de fortuna.
Com dezesseis anos resolvi trabalhar e ajudar a família. Porém nunca deixei de estudar. Fiz magistério e comecei a trabalhar orgulhosa da minha profissão. E logo depois de formada, casei. Não pensava em fazer vestibular. Mas três anos depois, vendo minhas colegas comentando sobre as aulas na faculdade decidi fazer as provas e ingressar na universidade! Passei no vestibular e fiquei grávida ao mesmo tempo! Então dei um tempo pro bebê ficar maiorzinho e poder voltar a estudar. Voltei quando meu filho mais velho fez três anos e o mais novo, dois anos! Ingressei na universidade com uma casa pra cuidar, marido e dois filhos pequenos pra atender e trabalhando na parte da tarde numa escola uns vinte quilômetros da minha casa! Não sabia que era impossível, fui e fiz! Enquanto estudava, cuidava da casa e dos filhos, não deixava de ser responsável no meu trabalho e fui eleita dois anos seguidos professora padrão da minha escola! Três anos depois me formei em Pedagogia! Nunca reprovei! Mas durante este tempo, não tive domingos, feriados e muitas vezes esperava os meninos dormirem e estudava a noite inteira! Foi fácil? Não!
Mas havia um pequeno segredo que eu desvendava todos os dias: Estudar ou estudar! Não ganhei peixe nenhum! E todos os meus amigos e conhecidos fizeram o mesmo! Estudaram! Passei frio e muitas vezes, fome! Mas venci! A fome nunca me impediu de aprender. Sempre fui boa aluna e amiga das professoras.!
Ainda acho que aprender a pescar valoriza, dignifica, responsabiliza! Tudo hoje tão mais fácil! O governo dá uniforme, lápis, borracha, cadernos, livros, mochila, merenda, bolsa família e mesmo assim ninguém estuda! Os pais cobram o passar de ano, da professora, mas não do seu filho! E por quê? Porque nada saiu do seu bolso como saia do bolso do meu pai que cobrava todos os dias o nosso aprender, nunca dos professores e sim, de nós, seus filhos!
Não quero com isso dizer que todo mundo deva passar o que minha família passou, apenas quero dizer que existe muita desculpa esfarrapada e que a palavra mágica sempre foi só uma: Estudar!