Barulho, briga, confusão
Final de semana, oito horas da madrugada, sou acordado de sonhos intranquilos por vozes, conversas, barulhos de coisas sendo arrastadas. É o quartinho ao lado do meu que começa a ser reformado, agora que o sujeito que morava lá foi embora – dizem que sem pagar o aluguel. Em consequência, sou impedido de botar em dia as minhas horas de sono. Sem outro remédio, limito-me a ficar deitado enquanto escuto conversas sobre tintas e pincéis. Ainda chego a cochilar por um instante, até uma furadeira acabar com qualquer possibilidade de descanso.
Desisto, e aproveito para mexer no celular. Puxo conversa com alguém, pois isso nunca foi tão fácil. Não demoram a responder, o que me leva a pensar que há mais quartinhos sendo reformados pelo Brasil afora. Mais algumas mensagens trocadas e logo estamos brigando – nunca foi tão barato brigar com alguém. As brigas são todas iguais, mas provavelmente ganham em intensidade ao som de uma furadeira logo de manhã.
Sabemos como termina: ou saímos ofendidos e nunca mais nos falamos ou reconhecemos que agimos estupidamente e pedimos desculpas. Mas até chegar ao desfecho tentamos provar que ninguém no mundo é mais injustiçado do que nós. Agarramos qualquer réstia de razão, mesmo que ela nos afaste do motivo da discussão. Eu já estava disposto a desistir daquela conversa quando começaram a quebrar uma parede do banheiro – não tive dúvida e tasquei mais uma ironia.
Àquela altura eu já havia ligado a televisão, e no último volume – era como se eu também estivesse discutindo com os operários e, na falta de argumento melhor, resolvesse apelar aumentando o tom de voz. Do celular chega uma contra-ironia que precisa ser respondida a altura. Sinto que é isso que tenho para aquela manhã, barulho, briga, confusão. Outra vez penso que o melhor é capitular. Mas começam a mexer no chuveiro e desligam a luz do meu quarto, sem avisar. Avanço as minhas tropas até a porta. E então, pela paz, começo mais uma guerra.