Olhos secos

Hoje ela decidiu não sair de casa, como fazia costumeiramente, achou melhor ficar e olhar aquelas velhas fotos, que guardava em uma pequenina caixa vermelha numa das gavetas da antiga cômoda, como seu grande tesouro. Ver o tempo em que a casa, mesmo pequena, era cheia de pessoas, sorrisos e vida. Sua solidão, agora, faz cada dia mais nítidas suas lembranças, tornando-as suas únicas companhias.

Tinha pouco mais de 60 anos, trazia todas as marcas desses em seu rosto, e já nem lembrava à quanto tempo morava só naquele casebre amarelo, cor adquirida com o tempo e o esquecimento, localizado no centro da cidade, que seu pai havia lhe deixado após a morte. A família, que não era tão grande, hoje só existia nas lembranças que estavam agora em suas mãos e seus pensamentos, aos poucos se desfez, seja pela morte ou pela própria vida.

Dividia seus dias entre cuidar de seus poucos pertences que estavam no casebre, espalhados entre os quatro pequenos cômodos, e em andar pela cidade, observando os outros, pois era nesses que ainda tinha contato com o que era viver, ou se sentir vivo, pois ela mesma já não sentia mais assim. Sobrevivia um dia após o outro contando com a piedade de alguns poucos que se sensibilizavam com sua realidade.

Uma das poucas coisas que lhe aliviava das dores, humilhações e tristeza era ir a igreja toda semana em dias de missa, não entendia muito o porque, mas aquele ambiente em que as pessoas se reuniam para demonstrar sua fé lhe ajudava a esquecer que ela mesma já não a tinha mais, vê todos se cumprimentando lhe servia como um breve afago em sua sofrida alma.

Tem quem pense que ela escolheu, que decidiu por tudo isso, mas penso que se talvez ela tivesse escolhido pela solidão, não seria tão triste, por que por mais que ruins sejam as consequências de algumas decisões, nada é mais penoso do que as coisas ruins que acontecem sem consentimento.

Gabriella Rocha

Gabriella Rocha
Enviado por Gabriella Rocha em 10/03/2014
Código do texto: T4723139
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