As horas

Que horas são?

Logo é hora de ir embora. Você vai sentir saudade? Eu não vou. Só um pouco. Ah, mas é bom sentir saudade. O dia em que eu não sentir saudade é porque...

Isso, porque acabou. Estou tão curiosa para ver como acaba o filme. Será que ele volta para a menina? Quero saber. Não, não me conte! Ah. Você fez que não com a cabeça. Bem, está certo. Eu não gostei dela mesmo. Pensei nisso porque ele foi para NY. Quando você for, você vai terminar comigo? Ótimo. Assim posso ficar aqui solteira e fazer tudo que quiser! É claro que sei que você está brincando; e eu também. Óbvio que se você... Mas não vamos falar disso. Pois você é o menino, eu a mulher, e esse é o velho jogo dos meninos e suas mulheres.

Você não é mais menino. Você se lembra daquele dia em que...? Ah, você é tão bonito fumando seu cigarro assim distraído; fuma bonito e vago como um mafioso. Sim, nós precisamos parar de fumar. Ou talvez possamos fumar só nos finais de semana, que é quando nos vemos. É claro que depois de noventa anos fumando todos os finais de semana isso há de trazer algum problema, se é que chegaremos aos noventa. Mas somos tão novos agora e é isso que importa. Mas não temos tanto tempo assim, todo o tempo do mundo, temos?

Que horas são, mesmo?

Será que temos tempo para fazermos tudo o que queremos? Tudo o que prometemos? Ah, só me leve logo a todos os lugares, mares, quilombos e palmares, pois se a vida nos nega outros pares, somos nossos próprios lares. Você acha muito piegas? O que você acha sobre isso e aquilo? Conte-me o que pensa sobre a Rússia e os garis e o Oscar. Eu quero saber de tudo. Você acha que eu falo demais? Tudo bem, vou ficar quieta, então. Eu sei que você gosta de ficar quieto. Com você posso ficar quieta sem me sentir inquieta.

Você sabia que eu vejo rostos em carros?

Desculpe por demorar tanto, só falta mais uma estante; pode ir se sentar para lá se quiser. Eu preciso comprar dois livros. Um só livro vai contra meus princípios. Que princípios? Não sei. De comprar em número par, ou não comprar nada. Então vamos fingir que você está me dando este de presente. Eu gostaria de te dar esse outro. Que tal? Tudo bem; outro dia. Você já tem dois livros para ler.

Veja as horas.

Não é engraçado que eu esteja tão contente? Quando acordei hoje, pensei que teria um daqueles dias em que não te amo tanto assim. Mas afinal de contas tudo está tão bem, não está? Também gosto do rumo que as coisas estão tomando. Pare de achar que é o responsável por minha felicidade, por favor, você é tão narcisista! Você é um detalhe. Bem pequeno. Meio causa, meio consequência.

...É como se para todos os outros eu fosse uma persona, e só para você uma pessoa.

Meu Deus, você anda tão devagar. Tão calmo, sempre tão senhor de tudo.

Eu sei que eu me irrito por situações de fácil resolução, mas agora vai ficar reclamando de como eu sou? Preferiria estar no bar com suas negas? Fique à vontade! Tenho mais coisas a fazer, mesmo. Coisas que não envolvem você resmungando do meu lado. Vamos às corridas de cavalos um dia? Sim, na hípica! Mas precisamos guardar dinheiro, e quando sairmos teremos a noite dos sonhos, com muito uísque e charutos e Chandon. Como Zelda e Scott. E você precisa de um chapéu, e eu de um vestido vermelho. Ah, querido, para que ser tão ciumento?

Você tem um cheiro tão bom!

Eu já disse que também te amo hoje? Não? Ah, que pena.

Mas diga-me, que horas são?

Valentina Caligari
Enviado por Valentina Caligari em 10/03/2014
Código do texto: T4722979
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