A porta fechada
Este já é o mês três, mas só agora nos ocorreu observar que uma das portas do nosso andar permanece fechada desde o começo do ano. Conhecemos o sujeito que trabalha lá – na verdade, é mais do que isso: nós trabalhamos com ele. É a ele que recorremos sempre que nossos computadores entram em pane, a Internet não conecta, o sistema cai. Como, por uma forte conjunção astral, nada disso aconteceu neste ano, também não havíamos nos dado conta de que ele não estava disponível. Passávamos pela frente da porta fechada, mas inconscientemente achávamos que ainda não tinha chegado, ou já tinha saído, ou, vá lá, estava de férias – de toda forma, não nos importávamos muito. Até que de repente tivemos um estalo e nos lembramos que já há muito não o víamos.
De fato, fazia tempo que ele não me encontrava e dizia “Henrique, você tá muito pálido, precisa comer mais feijão”. Também não me recordava da última vez em que a conexão havia ficado e lenta e ele apareceu para pegar no meu pé (“Deve ser o Henrique que está baixando filme”). Ele conhece Curitiba e de vez em quando me pergunta como andam as coisas por lá. E, por mais que eu esteja em Brasília há quatro anos, ainda me pergunta como está sendo a minha adaptação à cidade. Não estou certo se ele é gaúcho ou alemão – sei que morou nos dois lugares. Tem realmente a disciplina germânica, mas se dá o direito de ter dúvidas, coisa que me agrada bastante.
Nos últimos tempos ele perguntava sobre o futuro do nosso setor de comunicação, que sempre esteve na corda bamba. A gente preferia nem conversar sobre isso, mas ele insistia. Fazia ver que realmente a coisa estava feia para o nosso lado. E depois falava na nossa redenção, algum concurso para o Judiciário com salário de 20 mil.
Este é, em suma, o sujeito que não havia aparecido na sua sala este ano. E se não perguntássemos jamais saberíamos que nem tornará a aparecer – demitiu-se, ou então foi demitido. E nós continuamos. Para nós a porta ainda não se fechou.