Austregésilo, o ex-seminarista
1 - Passando pelo centro histórico de Fortaleza, a caminho da Rua Monsenhor Tabosa, detive-me por alguns minutos diante do belíssimo prédio do Seminário da Prainha, de estilo neoclássico, uma joia da arquitetura do século 19.
2 - E logo acudiu-me à memória meus tempos de seminarista franciscano, que guardo com carinho, mas sem aquele saudosismo piegas. Diria que em mim, o seminário continua presente! E já lá se vão, usando a expressão machadiana, muitos anos, desde que deixei seus claustros. Foi em meados do sáculo passado.
3 - O velho Seminário da Prainha, hoje desativado, foi fundado no dia 10.10.1864 por Dom Luís Antônio dos Santos, o primeiro bispo da capital cearense.
4 - Dom Luís - recordando um pouco da sua história - antes de ser o primeiro bispo de Fortaleza, foi bispo de Salvador, nos idos de 1879. Nascido em Angra dos Reis, no dia 3 de março de 1817, o respeitado prelado morreu na capital da Bahia, no dia 11 de março de 1891.
5 - De 1864 a 1963, o Seminário funcionou sob a orientação espiritual e cultural dos padres lazaristas, sacerdotes pertencentes a uma Congregação criada em Paris, em 17.4.1625, por São Vicente de Paulo (1581-1660) e oficializada pela Bula Salvatoris Nostri, do Papa Urbano VII.
6 - No prédio do Seminário, mui bem conservado, se não estou enganado, funciona, hoje, o Instituto Pastoral do Ceará. E a uma movimentada e importante avenida de Fortaleza foi dado o nome do seu fundador, Avenida Dom Luís.
7 - É sobejamente sabido, que, pelo claustro do Seminário da Prainha passaram centenas de pessoas que se destacaram no cenário eclesiástico, político, literário e social do Ceará e de outros estados brasileiros.
8 - Um de seus ex-alunos famosos é lembrado - e aqui também o faço - sempre que sobre a centenária casa lazarista de Fortaleza são dedicadas páginas contando a sua história. Refiro-me ao padre Cícero Romão Batista (meu Padim), ordenado presbítero, em 30.11.1870, por Dom Luís, à época, bispo da Diocese de Fortaleza.
9 - Muito bem. Acabo de adquirir um livro que reúne as melhores crônicas de outro não menos famoso ex-aluno do Seminário da Prainha, prefaciado por Murilo Melo Filho que, também, encarregou-se de selecioná-las. Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde é o seu nome; ou simplesmente Austregésilo de Athayde.
10 - Austregésilo é pernambucano de Caruaru. Conterrâneo, portanto, do mestre Vitalino. Nasceu no dia 25.11.1898 e morreu, com 94 anos, no dia 13.9.1993. Foi escritor, professor, ensaísta, orador, jornalista e cronista. Durante trinta e cinco anos (1958-1993) presidiu a Academia Brasileira de Letras.
11 - A Casa de Machado de Assis, fundada em 20.7.1897, muito lhe deve. Como a construção do moderno prédio ampliando as dependências da respeitada Instituição Literária.
Até Austregésilo, a ABL funcionava no Petit Trianon, um belíssimo palacete, na Avenida Presidente Wilson, no Rio de Janeiro, por este cronista visitado, repetidas vezes, quando ele se encontra vagabundando pela Cidade Maravilhosa.
12 - Pedaços de sua vida no Seminário da Prainha Austregésilo os narra em uma de suas crônicas, dando ênfase ao momento em que foi obrigado a abandonar a batina, já cursando o segundo ano de Teologia. Surpreendera, vejam só, seus superiores, dizendo-lhes acreditar em Deus, "mas queria receber d´Ele uma prova pela razão... e não pela fé, como os padres lazaristas do Seminário."
13 - O reitor "chamou-me à sua presença, depois da oração da noite, para comunicar-me a sentença irrecorrível de que o Conselho dos Padres decidira que me faltava a vocação e que devia deixar o seminário."
Porque inconformado com a decisão de seus superiores, diz ele, "durante horas correram-me as lágrimas..."
E mais. "Passei grande parte daquela noite no coro da igreja, diante da lâmpada do Santíssimo Sacramento, e só com as luzes da madrugada entrando pelas torres e a brisa que as acompanhava retornei a mim, fortalecido por uma coragem vigorosa para cumprir, em plena obediência, uma nova missão."
14 - Lembrei-me, então, e a propósito, de um belíssimo artigo do saudoso jornalista Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), sob o título O Seminarista da Prainha, publicado há alguns anos no Jornal do Brasil, descrevendo, com detalhes , o comportamento positivo do ex-seminarista Austregésilo.
15 - Escreveu Barbosa Lima Sobrinho: "Muitos saem dos seminários deblaterando e blásfamos. Austregésilo sabia que estava deixando ali uma saudade imorredoura. Sua atitude era a do respeito e a da lealdade. Sentindo que perdera a fé, achava que perdera também as razões para o exercício do sacerdócio."
E logo em seguida: "Se a Igreja perdeu o sacerdote, em compensação ganhou um defensor consciente e convicto. Até na maneira de trajar, faltaria pouco para substituir as suas vestes habituais por uma batina permanente, com gosto difícil de vencer pela sandálias franciscanas." Eis a surpresa.
16 - Surpreendeu-me a paixão de Austregésilo, o seminarista rebelde, pelo seu velho Seminário. Comportamento, aliás, não muito comum entre os que "estudaram pra ser padre" e que, por isso ou aquilo, abandonaram o Seminário, ou foram obrigados a deixar a batina ou o hábito.
17 - Como um dos que passou pelo Seminário, posso aqui garantir, que, de lá, não saí deblaterando e muito menos blasfemando, cuidando, porém, de evitar o saudosismos exarcebado e piegas. Mas sem desistir do direito de formular livremente minhas críticas à Igreja de Roma, se entender necessário e proveitoso.
18 - Não sei se, no meu caso, a Igreja perdeu um grande sacerdote; creio que não. Mas ela terá sempre em mim - que, como disse, mantenho o seminário presente em minha vida - um defensor consciente e convicto.
Como foi, segundo escreveu Barbosa Lima Sobrinho, o ex-seminarista Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde, o inspirador dessas mal-traçadas linhas, em tempo de Quaresma.
1 - Passando pelo centro histórico de Fortaleza, a caminho da Rua Monsenhor Tabosa, detive-me por alguns minutos diante do belíssimo prédio do Seminário da Prainha, de estilo neoclássico, uma joia da arquitetura do século 19.
2 - E logo acudiu-me à memória meus tempos de seminarista franciscano, que guardo com carinho, mas sem aquele saudosismo piegas. Diria que em mim, o seminário continua presente! E já lá se vão, usando a expressão machadiana, muitos anos, desde que deixei seus claustros. Foi em meados do sáculo passado.
3 - O velho Seminário da Prainha, hoje desativado, foi fundado no dia 10.10.1864 por Dom Luís Antônio dos Santos, o primeiro bispo da capital cearense.
4 - Dom Luís - recordando um pouco da sua história - antes de ser o primeiro bispo de Fortaleza, foi bispo de Salvador, nos idos de 1879. Nascido em Angra dos Reis, no dia 3 de março de 1817, o respeitado prelado morreu na capital da Bahia, no dia 11 de março de 1891.
5 - De 1864 a 1963, o Seminário funcionou sob a orientação espiritual e cultural dos padres lazaristas, sacerdotes pertencentes a uma Congregação criada em Paris, em 17.4.1625, por São Vicente de Paulo (1581-1660) e oficializada pela Bula Salvatoris Nostri, do Papa Urbano VII.
6 - No prédio do Seminário, mui bem conservado, se não estou enganado, funciona, hoje, o Instituto Pastoral do Ceará. E a uma movimentada e importante avenida de Fortaleza foi dado o nome do seu fundador, Avenida Dom Luís.
7 - É sobejamente sabido, que, pelo claustro do Seminário da Prainha passaram centenas de pessoas que se destacaram no cenário eclesiástico, político, literário e social do Ceará e de outros estados brasileiros.
8 - Um de seus ex-alunos famosos é lembrado - e aqui também o faço - sempre que sobre a centenária casa lazarista de Fortaleza são dedicadas páginas contando a sua história. Refiro-me ao padre Cícero Romão Batista (meu Padim), ordenado presbítero, em 30.11.1870, por Dom Luís, à época, bispo da Diocese de Fortaleza.
9 - Muito bem. Acabo de adquirir um livro que reúne as melhores crônicas de outro não menos famoso ex-aluno do Seminário da Prainha, prefaciado por Murilo Melo Filho que, também, encarregou-se de selecioná-las. Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde é o seu nome; ou simplesmente Austregésilo de Athayde.
10 - Austregésilo é pernambucano de Caruaru. Conterrâneo, portanto, do mestre Vitalino. Nasceu no dia 25.11.1898 e morreu, com 94 anos, no dia 13.9.1993. Foi escritor, professor, ensaísta, orador, jornalista e cronista. Durante trinta e cinco anos (1958-1993) presidiu a Academia Brasileira de Letras.
11 - A Casa de Machado de Assis, fundada em 20.7.1897, muito lhe deve. Como a construção do moderno prédio ampliando as dependências da respeitada Instituição Literária.
Até Austregésilo, a ABL funcionava no Petit Trianon, um belíssimo palacete, na Avenida Presidente Wilson, no Rio de Janeiro, por este cronista visitado, repetidas vezes, quando ele se encontra vagabundando pela Cidade Maravilhosa.
12 - Pedaços de sua vida no Seminário da Prainha Austregésilo os narra em uma de suas crônicas, dando ênfase ao momento em que foi obrigado a abandonar a batina, já cursando o segundo ano de Teologia. Surpreendera, vejam só, seus superiores, dizendo-lhes acreditar em Deus, "mas queria receber d´Ele uma prova pela razão... e não pela fé, como os padres lazaristas do Seminário."
13 - O reitor "chamou-me à sua presença, depois da oração da noite, para comunicar-me a sentença irrecorrível de que o Conselho dos Padres decidira que me faltava a vocação e que devia deixar o seminário."
Porque inconformado com a decisão de seus superiores, diz ele, "durante horas correram-me as lágrimas..."
E mais. "Passei grande parte daquela noite no coro da igreja, diante da lâmpada do Santíssimo Sacramento, e só com as luzes da madrugada entrando pelas torres e a brisa que as acompanhava retornei a mim, fortalecido por uma coragem vigorosa para cumprir, em plena obediência, uma nova missão."
14 - Lembrei-me, então, e a propósito, de um belíssimo artigo do saudoso jornalista Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), sob o título O Seminarista da Prainha, publicado há alguns anos no Jornal do Brasil, descrevendo, com detalhes , o comportamento positivo do ex-seminarista Austregésilo.
15 - Escreveu Barbosa Lima Sobrinho: "Muitos saem dos seminários deblaterando e blásfamos. Austregésilo sabia que estava deixando ali uma saudade imorredoura. Sua atitude era a do respeito e a da lealdade. Sentindo que perdera a fé, achava que perdera também as razões para o exercício do sacerdócio."
E logo em seguida: "Se a Igreja perdeu o sacerdote, em compensação ganhou um defensor consciente e convicto. Até na maneira de trajar, faltaria pouco para substituir as suas vestes habituais por uma batina permanente, com gosto difícil de vencer pela sandálias franciscanas." Eis a surpresa.
16 - Surpreendeu-me a paixão de Austregésilo, o seminarista rebelde, pelo seu velho Seminário. Comportamento, aliás, não muito comum entre os que "estudaram pra ser padre" e que, por isso ou aquilo, abandonaram o Seminário, ou foram obrigados a deixar a batina ou o hábito.
17 - Como um dos que passou pelo Seminário, posso aqui garantir, que, de lá, não saí deblaterando e muito menos blasfemando, cuidando, porém, de evitar o saudosismos exarcebado e piegas. Mas sem desistir do direito de formular livremente minhas críticas à Igreja de Roma, se entender necessário e proveitoso.
18 - Não sei se, no meu caso, a Igreja perdeu um grande sacerdote; creio que não. Mas ela terá sempre em mim - que, como disse, mantenho o seminário presente em minha vida - um defensor consciente e convicto.
Como foi, segundo escreveu Barbosa Lima Sobrinho, o ex-seminarista Belarmino Maria Austregésilo Augusto de Athayde, o inspirador dessas mal-traçadas linhas, em tempo de Quaresma.