Sexta-feira de Carnaval
E eis que de repente eu me descobri o único morador de todo o Distrito Federal. Pelo menos era o único que em pleno Carnaval vagava pelas ruas da Asa Sul a procura um restaurante aberto, um pobre e honesto restaurante, ou apenas pobre, sem encontrar nenhum e nem viva alma caminhando pelas calçadas. As próprias casas pareciam ainda mais desertas do que de costume e eu tive a nítida impressão de que estava em uma ilha cercada de Goiás por todos os lados. E ainda estava imerso nesse pensamento quando outro ser vivo se apresentou, um tanto ruidosamente, no quintal de uma das casas. Era um cachorro que latia por puro dever de ofício. Aproximei-me e ele se deixou acariciar. Chamei-o de Sexta-feira, por ter sido este o dia em que as pessoas começaram a sumir da cidade.
Mas o pacato Sexta-feira nada podia fazer para resolver o problema da fome naquele dia, razão pela qual eu fui obrigado a navegar até a Rodoviária do Plano Piloto, único lugar em que é possível comer mesmo nos dias santos, mesmo nos dias pagãos. Fiz um prato qualquer e me sentei para comer, particularmente aborrecido com a condição humana, com o Brasil, com o anti-Brasil, com a crise na Ucrânia, com a operadora do meu celular. Estava até mesmo um tanto irritado, capaz de dispensar com um simples e seco “não” uma daquelas crianças sujas e descalças que pedem marmitas nos restaurantes da rodoviária.
Peguei um ônibus para voltar e era como se fosse um táxi, pois não havia outro passageiro. Aqui em Brasília nenhum feriado é levado mais a sério do que aquele que é brincadeira. O cobrador já não queria cobrar mais ninguém e foi sentar lá para trás, tirando um cochilo de Carnaval.
Dali a pouco eu estava de volta ao ponto de partida, as quadras vazias da Asa Sul. Sexta-feira veio me cheirar outra vez. Bom menino. Havia uma grade entre nós, mas dava para brincar. Um passarinho apareceu e passou por entre as grades. Exibido. Achei bem feito quando o Sexta-feira correu atrás dele.