Meu segredo de Rosebud






Meu segredo de Rosebud



O grande Guimarães Rosa disse,um dia uma frase tão simples,mas,que marca a duração de toda uma vida:”Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras de recente data”...
Refleti,então;”O que,de fato,trouxe de minha infância?
Não me refiro a lembranças distantes de uma existência quase esquecida,mas,a algum objeto que sintetiza a real essência da beleza lúdica,felicidade real que,ainda me acompanha e,por certo,desaparecerá quando fizer a viagem ao lago de Tuonela.
Amigo leitor,tenho absoluta certeza que entendeu esta alegoria sobre o findar da vida,mas ,a minha mente errante plena de fugas de idéias me obrigou a falar deste estranho lago. O grande compositor Sibelius compôs maravilhoso poema sinfônico,onde o solo de corne inglês reproduz o canto triste de um cisne que flutuava,mansamente,sobre o lago de Tuonela.A bela ave,tendo a pré ciência da morte,modificava,embelezando o canto...
O leitor,mais uma vez,ameaçando interromper a leitura,indagaria:”Mas,o que tem a ver o cisne com este estranho vocábulo titulo Rosebud?” Muita calma neste momento,meu amigo,pois,em verdade,estou tentando dissecar o meu corpo,ainda em vida na procura deste “objeto perdido”.
Volto,então,aos anos 40,quando Orson Welles dirige,magistralmente,o filme “Cidadão Kane,uma unanimidade em relação a sétima arte.Lembro bem que,quando assisti pela vez primeira,senti certa frustração ao não entender a mensagem implícita da película.Em verdade,não estava preparado...
Na segunda vez,contudo,foi como que um ciclone tivesse arrancado tudo,deixando,apenas,o meu Rosebud...
Na trama,um milionário,pouco antes de morrer,sussurra a estranha palavra Rosebud que passa a ser foco central do filme na busca de seu sentido real.
Somente,no final,quando toda a riqueza em pertences é revelada,um simples mordomo entende o simbolismo em simples brinquedo de criança,um globinho de vidro que simula presença de neve flutuante em seu interior...
A tradução de Rosebud seria “botão de flor” numa forma figurativa,poética quanto a intimidade da mulher,centro do prazer infindo...Entretanto,usando de abstracionismo onírico,como sendo o símbolo de um “lugarzinho” secreto,pessoal onde ninguém poderia chegar.O magnata carregou aquele objeto por toda a sua vida! Amigo leitor,revelo,agora,após quase sete décadas ,o meu secreto Rosebud! Trata-se de pequenina ficha com número 1,um botão que consegui em 1956 e que denominei,equivocadamente de Seminale,quando,em verdade,o alvo de reverência seria o grande jogador peruano chamado Seminário...O Seminale ,até hoje,participa de emocionantes partidas de futebol de botão.Este objeto de minha infância,portanto,me acompanha e testemunha os momentos importantes de minha vida...Quando o mundo ameaça sufocar-me com sua iníqua opulência,pego de minha caixa de botão,contemplo o velho botão na cor cobalto,impressionantemente,conservado,o Seminale e percorro a dimensão do sonho,onde o tempo para e a felicidade permeia a tudo...
Sei que ,em tempo futuro,o Seminale repousará no fundo do lago de Tuonela...