"O NOSSO POSTE"
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Eis a primeira crônica que escrevo depois da pressão na cabeça muito forte que senti na segunda-feira. É um fato real que ocorreu e sempre rio pelo canto de minha boca ao relembrá-lo.
Para Jorge Lopes da Silva, meu amigo!
Ele chegou como quem chega do nada. Nada falou, nada perguntou, mas passou a se escorar em um canto, ocupando o poste de luz da antiga Companhia de Eletricidade de Manaus – CEM que, nos anos 70, era de “propriedade” de todos os adolescentes que corriam serelepes, sob a proteção da luz da lua e das estrelas que ainda se podiam avistar no céu, em brincadeiras de manja, barra-bandeira, trinta e um alerta e outras inventavam na hora, sem maldade. Tudo era muito inocente entre os adolescentes naquela época e eu sinto saudades da inocência infanto-juvenil da juventude!
Como testemunhas, a luz, as estrelas e a escuridão da noite de uma lâmpada pública pendurada no alto do poste, mas que pouco adiantava porque clareava pouco. Essa era a principal razão de o rapaz procurar ficar sempre naquele local meio escuro, protegido pelo manto sagrado da escuridão. Jorge Lopes da Silva, que se tivesse nascido em outra época poderia ser hoje o orgulho futebolístico do bairro da Betânia, por ter sido na infância e adolescência, um boleiro fantástico durante o dia, mas se transformava em uma espécie de organizador das brincadeiras noturnas também, sob a luz pálida da rua ou sobre a lua preguiçosa que teimava em embalar os sonhos infantis dos que sonhavam, como eu. O Jorge não sonhou, não lutou, pouco estudou, casou cedo, constituiu família e hoje é um agente de portaria em uma fábrica do Distrito Industrial; mas é meu amigo.
O rapaz elegante, bem vestido, cheirando a perfume de lavanda barata, com roupa de seda, estava lá, grudado em “nosso” poste! Como tirá-lo de lá? Todos querendo brincar sob o manto sagrado da noite e o rapaz elegante lá, fumando um cigarro atrás do outro, esperando a namorada chegar. E como ela demorava. Devia residir longe, coitada, porque ninguém da rua a conhecia! E olhem que conhecíamos muita gente na avenida Adalberto Valle, onde a maioria morava ou moravam por perto.
- Vamos espantá-lo, sugeriu um.
- Vamos passar tinha vermelha no poste! – sugeriu outro.
- Não. Vamos fazer melhor do que isso – disse o Jorge Lopes, se dirigindo com passos curtos e apressados até seu quintal, onde pegou uma vara comprida, amarrara na ponta um pano o embebedara de fezes de seu sanitário cavado no quintal, como eram os de quase todos, empurrara a vara até ao fundo de seu sanitário e voltara com um sorriso malicioso.
- O que você pretende fazer com isso, Jorge? Perguntei quando o vi chegando com a vara na mão, com um chumaço em uma ponta. Mas eu não sabia que tinha vezes!
- Calma você já vai ver!
O Jorge era um rapaz forte, entroncado e, valendo-se de seu porte físico contra um franzino, esguio, tipo “engomadinho”, começou uma discussão com o rapaz que continuava escorado em “nosso” poste da CEM.
- Vem, vem, dizia o Jorge e empurrando e puxando a vara no rumo do rapaz desconhecido, com roupa de seda branca, sapato branco e preto, com salto elevado, tipo cavalo de aço, que era moda na década de 70, calça boca de sino, relógio no pulso e cordão no pescoço. Ele não se mexia!
- Sai daqui, moleque, não quero brigar com você, só estou aqui esperando minha namorada chegar! – respondeu o desafiado.
- Vem, vem me enfrentar se você é homem! – continuou o Jorge e empurrando a vara na mão, sempre a empurrando e a puxando rumo ao rapaz que não se mexia do lugar, calmo como uma pedra!
O desconhecido fez um movimento de que iria aceitar a provocação e o Jorge Lopes empurrou a vara com o pano na ponta. O desconhecido a segurou e o Jorge a puxou de volta, deixando-o embebido de fezes. Ele ficara todo lambuzado e todos correram rindo do resultado alcançado! Mas, nunca mais, o desconhecido voltou a ocupar “nosso poste de luz”. E todas as brincadeiras recomeçaram!