Da porta para dentro
Volto da rua e encontro a casa vazia. Isto é, não há ninguém nos quartos vizinhos ao meu. Parece que todos já encontraram o seu jeito de comemorar o Carnaval. Eu próprio me sinto como se estivesse voltando de um baile a fantasia, tal é a transformação que se opera em mim quando chego em casa. Da porta para dentro, eu volto a ser quem eu sou de verdade.
Já não estou mais preocupado com o que os outros irão pensar de mim. Tiro a camisa, arranco fora a calça jeans, visto um chinelo que deixa à mostra um feio par de pés – mas que importa isso agora? Vou empilhando coisas em cima da cama, certo de que a ninguém mais será dado contemplar a minha bagunça. Penso no horror que causaria a uma visita olhar para a minha mesinha, onde atualmente dividem espaço um notebook, um caderno, dois livros, um pacote de bolachas, alguns talhares ainda por lavar e até mesmo um abacate. Também não seria muito agradável visualizar o bidê ao lado da minha cama, que na última contagem estava com 18 livros, amontoados em duas pilhas. Mas não estou esperando ninguém, afinal.
O mundo lá fora ignora ainda que eu, um homem desse tamanho, tenho dentro de casa uma pequena bolinha de borracha, que aproveito para jogar na parede ou bater no chão como se criança fosse. Fico brincando com ela enquanto me esparramo na cama, sem me preocupar com o estado do meu cabelo. Penso que ainda não fiz a barba e, com extrema satisfação, decido que tampouco irei fazer – pra quê, meu Deus?
É quando ligo a televisão e me dedico a comentar sarcasticamente o noticiário, com tamanha acidez que causaria espanto àqueles que me veem diariamente sempre tão inseguro e de opiniões tão frouxas. É que em casa, esparramado na cama e batendo uma bolinha na parede, não há o que temer. Não estou sendo avaliado, não preciso me sair bem.
Pena que dura tão pouco. Logo estarei eu me arrumando para voltar às ruas. A verdade é que não precisa ser Carnaval para que eu saia de casa fantasiado.