Dentro de uma mala
Toda a minha vida está dentro de uma mala com rodinha, daquelas de viagem, que eu levo pra lá e pra cá. E não é muita coisa, apenas minhas roupas e meus produtos de higiene. Já está um tanto gasta, e inclusive um pouco amassada embaixo. Ultimamente eu nem tiro as coisas de dentro dela – sei que mais cedo ou mais tarde terei que levar tudo embora. É que não tenho residência fixa, estou sempre contando com a ajuda dos amigos. Mas um dia até os amigos se cansam de me abrigar assim, de favor mesmo. Delicadamente sugerem que eu procure outro lugar para viver. E eu procuro mesmo, porque não quero ser incômodo para ninguém. De muita boa vontade eu aceitaria ter o meu próprio canto, ou pelo menos o meu próprio canto alugado, mas isso implicaria em ganhar mais do que hoje eu ganho. Então fico revezando na casa de amigos que moram no Guará, no Vicente Pires, em Taguatinga. Só que eu também não tenho tanto amigo assim e na última vez que fechei a mala eu não tinha para onde ir.
Recomendaram-me um conhecido que morava numa pensão da Asa Norte e queria dividir o aluguel. Eu não tinha dinheiro, mas aceitei. Deram-me uma carona e fui pra lá com a minha mala. Meu novo colega de quarto observou: “Pra mim nunca ninguém dá carona quando preciso me mudar”. Eu não o conhecia muito bem, nunca havíamos conversado até então.
Havia acabado de anoitecer e nós saímos para comprar uma janta no supermercado – salada de frutas e bolacha. Voltamos para o quarto e jantamos quietos diante da televisão. Apenas de vez em quando ele dizia pra eu ficar à vontade, mas a verdade é que nem ele estava – tudo o que queria era alguém pra dividir o aluguel. Era diferente de quando eu morava com meus amigos. Agora se tratava de uma relação comercial.
Ele abriu um espaço no pequeno armário do quarto e disse que eu podia colocar as minhas coisas ali. Recusei: prefiro deixar tudo dentro da minha mala mesmo. Quem não sabe pra onde ir nunca fica muito tempo no mesmo lugar.