Os nossos carnavais morreram de tédio

Os nossos carnavais morreram de tédio.

Texto de Aparecido Raimundo de Souza.

Ao som contagiante de “Mamãe Eu Quero, Allah-Lá-Ô, Cachaça, Aurora, Jardineira, O Teu Cabelo Não Nega”, o carnaval do meu tempo tomava vida e cor e se desabrochava como flores num imenso jardim florido, pelas ruas, praças e avenidas.

Nas rádios, outras pérolas criavam vida e forma e balançava a galera em polvoroso comparecimento e profusão.

“Olha a cabeleira do Zezé

Será que ele é,

Será que ele é?”.

...........................................................

“A canoa virou,

Deixaram virar,

Por causa da menina,

Que não soube remar”.

...........................................................

“A pipa do vovô não sobe mais

A pipa do vovô não sobe mais

Apesar de fazer muita força, o vovô

Foi passado prá trás”.

...........................................................

“Daqui não saio

Daqui ninguém me tira

Onde é que eu vou morar

O senhor tem paciência de esperar

Inda mais com quatro filhos

Onde é que eu vou morar?”.

A estas, no espocar da programação, eram seguidas por “Chiquita Bacana, Maria Sapatão, A fonte secou, Está chegando A Hora, Maria Candelária, Bandeira Branca, A Dança do Cafuné”...

E hoje, o que vemos? O que temos? Ou melhor: o que ouvimos?

Alguém, por favor, de bom senso e ouvido apurado, venha em meu socorro. De coração, responda: onde podemos levar nossos filhos e filhas adolescentes? Em que clube, em qual matinê, será possível deixá-los, sem que nossas crianças (que amanhã representarão o futuro de uma nova geração, de um novo País) sejam levadas por esta enxurrada de desgraças sem pé nem cabeça, chirleadas a erros gritantes de português, e outras prúvias do bom comportamento, trazidas em profusão em meio a um barulho infernal produzido pelos famosos DJ, em números cada vez mais crescentes?

Espero que nenhum “moderninho” me leve a mal por rotular essa balburdia que hoje chega a nossa casa e fere nossos ouvidos de música. Que digam os saudosistas de plantão se tais esquisitices podem ser consideradas como obra prima:

“Matar os policia é a nossa meta

Fala pra nóis quem é o poder

Mente criminosa, coração bandido

Sou fruto de guerras e rebeliões

Comecei menor já no 157

Hoje meu vicio é roubar, profissão perigo”.

............................................................

“Me olha e deseja que eu veja

Mas já digo “não vai rolar”

Agora é tarde pra você querer me ganhar

Rebolo e te olho

Mas eu não quero mais ficar

Admito que acho graça

em ver você babar”.

............................................................

“Com marra de pegador, o bombadão da academia

Espalhou lá na favela, escuta só, que me comia

Eu fiquei de cara quente, boladona, eu fui cruel

Eu dei mole pro otário e levei lá pro hotel”.

.............................................................

“É o nego e as maravilhas, em ritmo do carnaval

O nego cantando, o dj tocando e elas quebrando no movimento

Quebra, quebra, quebra, requebra, no quebra

Vai no quebra, que quebra, requebra que quebra

Quebra, requebra no quebra”.

............................................................

Nessa confusão toda, nessa geração coca cola com rato misturado, de loucos varridos, de vândalos e bagunceiros, de bárbaros e brutescos, de Lepo Lepo e outras tranqueiras pergunto boquiaberto, estatelado, fora de mim: onde ficaram os autores de outrora? Nomes como Braguinha, Lamartine Babo, Alberto Ribeiro, Humberto Porto, Benedito Lacerda, Chiquinha Gonzaga, Haroldo Lobo, Roberto Menescal, Zé da Zilda, Zilda do Zé, Mário Lago, João Roberto Kelly, Heber Lobato, Ivan Ferreira, Mirabeau Pinheiro e tantos mais?

Tenho grandes saudades dos meus carnavais de menino. Do tempo das calças curtas, das matinês de finais de semana no clube. Aquilo sim podia ser chamado de carnaval. Naqueles idos, se ouvia boa trilha sonora que fazia bem aos ouvidos. E ao coração. E hoje, viva alma em pleno poder de suas faculdades mentais: hoje, pode me explicar por tudo o que é mais sagrado, o que é uma boa letra, uma boa música?

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 60 anos, é jornalista.

Aparecidoescritor
Enviado por Aparecidoescritor em 05/03/2014
Reeditado em 05/03/2014
Código do texto: T4716370
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.