Os nossos carnavais morreram de tédio
Os nossos carnavais morreram de tédio.
Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
Ao som contagiante de “Mamãe Eu Quero, Allah-Lá-Ô, Cachaça, Aurora, Jardineira, O Teu Cabelo Não Nega”, o carnaval do meu tempo tomava vida e cor e se desabrochava como flores num imenso jardim florido, pelas ruas, praças e avenidas.
Nas rádios, outras pérolas criavam vida e forma e balançava a galera em polvoroso comparecimento e profusão.
“Olha a cabeleira do Zezé
Será que ele é,
Será que ele é?”.
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“A canoa virou,
Deixaram virar,
Por causa da menina,
Que não soube remar”.
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“A pipa do vovô não sobe mais
A pipa do vovô não sobe mais
Apesar de fazer muita força, o vovô
Foi passado prá trás”.
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“Daqui não saio
Daqui ninguém me tira
Onde é que eu vou morar
O senhor tem paciência de esperar
Inda mais com quatro filhos
Onde é que eu vou morar?”.
A estas, no espocar da programação, eram seguidas por “Chiquita Bacana, Maria Sapatão, A fonte secou, Está chegando A Hora, Maria Candelária, Bandeira Branca, A Dança do Cafuné”...
E hoje, o que vemos? O que temos? Ou melhor: o que ouvimos?
Alguém, por favor, de bom senso e ouvido apurado, venha em meu socorro. De coração, responda: onde podemos levar nossos filhos e filhas adolescentes? Em que clube, em qual matinê, será possível deixá-los, sem que nossas crianças (que amanhã representarão o futuro de uma nova geração, de um novo País) sejam levadas por esta enxurrada de desgraças sem pé nem cabeça, chirleadas a erros gritantes de português, e outras prúvias do bom comportamento, trazidas em profusão em meio a um barulho infernal produzido pelos famosos DJ, em números cada vez mais crescentes?
Espero que nenhum “moderninho” me leve a mal por rotular essa balburdia que hoje chega a nossa casa e fere nossos ouvidos de música. Que digam os saudosistas de plantão se tais esquisitices podem ser consideradas como obra prima:
“Matar os policia é a nossa meta
Fala pra nóis quem é o poder
Mente criminosa, coração bandido
Sou fruto de guerras e rebeliões
Comecei menor já no 157
Hoje meu vicio é roubar, profissão perigo”.
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“Me olha e deseja que eu veja
Mas já digo “não vai rolar”
Agora é tarde pra você querer me ganhar
Rebolo e te olho
Mas eu não quero mais ficar
Admito que acho graça
em ver você babar”.
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“Com marra de pegador, o bombadão da academia
Espalhou lá na favela, escuta só, que me comia
Eu fiquei de cara quente, boladona, eu fui cruel
Eu dei mole pro otário e levei lá pro hotel”.
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“É o nego e as maravilhas, em ritmo do carnaval
O nego cantando, o dj tocando e elas quebrando no movimento
Quebra, quebra, quebra, requebra, no quebra
Vai no quebra, que quebra, requebra que quebra
Quebra, requebra no quebra”.
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Nessa confusão toda, nessa geração coca cola com rato misturado, de loucos varridos, de vândalos e bagunceiros, de bárbaros e brutescos, de Lepo Lepo e outras tranqueiras pergunto boquiaberto, estatelado, fora de mim: onde ficaram os autores de outrora? Nomes como Braguinha, Lamartine Babo, Alberto Ribeiro, Humberto Porto, Benedito Lacerda, Chiquinha Gonzaga, Haroldo Lobo, Roberto Menescal, Zé da Zilda, Zilda do Zé, Mário Lago, João Roberto Kelly, Heber Lobato, Ivan Ferreira, Mirabeau Pinheiro e tantos mais?
Tenho grandes saudades dos meus carnavais de menino. Do tempo das calças curtas, das matinês de finais de semana no clube. Aquilo sim podia ser chamado de carnaval. Naqueles idos, se ouvia boa trilha sonora que fazia bem aos ouvidos. E ao coração. E hoje, viva alma em pleno poder de suas faculdades mentais: hoje, pode me explicar por tudo o que é mais sagrado, o que é uma boa letra, uma boa música?
(*) Aparecido Raimundo de Souza, 60 anos, é jornalista.