Os velhos carnavais de todo e sempre
Os velhos carnavais de todo e sempre.
Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
Meus carnavais são sempre iguais. Só muda o Estado da Federação onde passo os quatro dias dessa tresloucada agitação. Ano passado, por exemplo, foi em São Paulo, terra da eterna garoa, dos engarrafamentos quilométricos, do Estádio do Pacaembu, da Avenida Paulista e dos metrôs superlotados. No retrasado, em Belo Horizonte, terra dos queijos saborosos, da Paula Fernandes, do Mercado, Central, da Rua do Amendoim, e, claro, dos fanáticos pelo Atlético Mineiro e Cruzeiro.
Este ano, a convite de amigos da redação, eu e minha secretária Carina, aportamos em Belém do Pará, famosa pelo Mangal das Graças, Estação das Docas, Círio de Nazaré, Teatro da Paz, e como não podia deixar passar em brancas nuvens, berço esplendido da inimitável Fafá, e da esfuziante Joelma e Chimbinha (Banda Calypso). Carina adorou. Caiu na folia, com todo o fogo que lhe corre nas veias, amontoada de flores como uma sepultura recente.
Pulou tanto, a jovem e, com tamanha disposição, que, no segundo dia, torceu o sapato e o pezinho esquerdo dela, tadinho, magoou. Em decorrência, desse inesperado incidente, precisou ficar repousando, no hotel, vendo as coisas da sacada da varanda, com os dedinhos enfaixados.
Acho que foi praga jogada ao vento pela dona senhora Rousseff. Ela adotou a fantasia galhofeira da Dilma Lula lá, lá e eu, como sempre, macaco velho, passei o ferro na velha e uma vez mais, fui para as ruas de palhaço.
Já me acostumei a ser bufão. Me sinto, assim, um bocadinho povo. No fundo, me vejo como essa gentalha, sem eira nem beira, a mendigar, de pires nas mãos, nas sinaleiras e esquinas dessas metrópoles repletas de sinagogas, igrejas, bispos, padres, pastores e pontos de encontro mundanos. E, como tal, apessoado num perfeito caricato, com meu nariz vermelho, rosto pintado de verde, amarelo, azul e branco, camisa remendada nas costas, com os dizeres positivistas dessa massa de desvalidos, “desordem e retrocesso”, lá vou eu, sorridente, calças largas, à moda Carequinha, sapatos furados, de pobretão de favela de periferia. Represento, com graça, zelo e leveza, os jocosos “Manés” de todos os dias.
Sou mais: igualmente saio do formal, pulo com alegria nos blocos de rua, travestido nos “Zés Com Fome”; nos “Assalariados”; nos “Infelizes” das noites infindáveis do SUS; nos coitados dos “Barnabés”; nos “Aposentados” tomando um suador tremendo nas filas dos bancos em busca das suas aposentadorias minguadas. Cada dia me depravo num carecido criado pela vida omissa, apagada, órfã da sorte. São nesses momentos do reinado de Momo, atrelado ao hilário da coroa da promiscuidade que ele carrega na cabeça, que me sinto realmente o bobo da corte bem desgraçado que sou. O “Excluído” dessa recreação de parasitas, de vândalos, de hipócritas e bandidos da pior espécie.
E, como o travesso Waldemar Seyssel, o saudoso Arrelia, eu sou feliz. Posso mostrar, com meus trejeitos, avenida à fora, ora de Bozo, ou de Espirro, ora de Torresmo ou Atchim, sem medos e receios, sem patatís e patatás, meus queixumes, lamúrias, desejos e indignações, respingadas ao molho em forma do suor apimentado pela falta de vergonha dos que estão no poder. Levo, pois, com meu carnaval, às “Marias sem lar e as Pedintes de todo o sempre”, em meio aos festejos, guindadas aos retratos vivos e sem retoques, das tantas e quantas torres de babel e suas balburdias, legados pelos nossos melhores representantes, ao tempo que faço mil traquinagens, para agradar os bens nascidos, usando, claro, o gigantesco picadeiro desse circo enorme que batizei com o pomposo nome de Brasil.
Quando retorno da algazarra, tarde da noite, topo com a Carina, de pé para cima, olhos sem piscar, na televisão, camaliosa e assobrerjética. Nessas horas, ela enfatiza que sou louco varrido. Sorrio a essas palavras, que me caem, em meio à fuça, como tapinhas dados com luvas de pelica. Oxe! Mais alienado e demente que eu, mais mentecapto e sem juízo, deve ter sido aquele baiano nascido em Ilhéus, Jorge Amado, pai da Gabriela e Dona Flor, que ficou famoso quando eu ainda nem era nada na barriga de mamãe. Foi dele, a ideia estapafúrdica de fazer dessa nação sem fronteiras, ou melhor, de transformar esta terra de pangarés, jumentos e espertalhões da pior espécie, no verdadeiro “Pais do Carnaval”.
Aparecido Raimundo de Souza, 60 anos, é jornalista.