Festa de Largo
Meados da década de 1980, uma época em que não haviam tantas subdivisões e você era criança ou adulto. Ainda me reconhecia como criança, quando as filhas da vizinha nos convidaram e convenceram que ir a uma festa de largo era muito tranquilo, confesso que a curiosidade falou mais alto que a vontade de fazer parte de um bolo doido correndo atrás de um trio elétrico. Os olhos de minha irmã mais velha brilhavam, todos os “erres” do nosso sotaque recém chegado da capital paulistana pareciam desejar desde sempre frequentar aquele ambiente festivo.
As mães
Ainda tínhamos um obstáculo, nossa mãe precisava aprovar tal aventura, que não foi difícil, tamanha a seriedade das filhas da vizinha, que diziam ser um evento tranquilo, praticamente um passeio comum a todo soteropolitano, argumentos que forçaram nossa mãe a concordar com a ida, e todas as recomendações foram dadas, principalmente a que deveríamos retornar para casa todas juntas. No fundo, no fundo tudo não passava de um grande plano, pois a vizinha não deixaria suas filhas irem à festa, mas a notícia chegou bem diferente, como um pedido da vizinha nova, para que suas filhas que conheciam a cidade acompanhassem as recém chegadas do sul, que desejavam apenas observar como se dava a festa de nome estranho “Lavagem ”.
Os planos e estratégias utilizados nos diferenciava entre mandantes e mandados, e a partir daquele momento percebi que não poderia me posicionar de forma desvantajosa.
A Lavagem
Seguimos rumo a praia logo pela manha, na minha ingenuidade infantil acreditava que a festa cujo nome em nada me atraia já deveria ter começado, mas os corpos se estendiam na areia diante do grande mar e sob o sol escaldante. Tudo o que me restava era a opção de refletir a respeito da situação, que em nada me agradava mas a regra imposta por minha mãe era se foram juntas, voltam juntas e era sabido que desobedecer seria o mesmo que nunca mais ir a lugar algum e para quem ainda era criança, o termo “nunca mais” soava bastante assustador.
Lugar errado, hora errada
O relógio marcava dezesseis horas, acreditava que as toalhas eram recolhidas da areia para que enfim o retorno para casa se desse naturalmente, mas minha suspeita soou feito piada, e ouvi a frase que levou-me ao quase desespero: - A festa vai começar agora! - Era nítido meu desconforto diante de tamanha animação de minha irmã e as duas filhas da vizinha. Quando avistamos o trio elétrico, agarrei-me ao braço de minha Irmã, a multidão gigantesca se aproximava e logo fazíamos parte dela, mesmo contra minha vontade. Não sei quem tocava e tão pouco o nome do bloco, pior ainda era questionar o objetivo de seguir o trio sem saber ao certo qual seria o destino final. Perguntei a uma das meninas que sorria de felicidade e gritava: - Vai seguindo, vai seguindo, depois a gente volta! – Nessa hora percebi que aquele não era meu lugar, que sair sem determinar o trajeto não funciona muito bem, acompanhei a turma, visto que não vislumbrava outra opção, e quando já me conformava com a situação, ouço um solo de guitarra anunciando a primavera, de repente um momento de paz e refrigerei corpo e alma, Vivaldi, as quatro estações e uma ideia maravilhosa.
De tanto levar flechadas do seu olhar...
Fiz cara feia e simulei sentir dor. - Estou com dor de cabeça! - Fiz a declaração em alto e bom som, nesse momento as meninas perceberam que a festa havia acabado, afinal o decreto firmado exigia retorno para casa de todas juntas, estivessem ou não afim. A informação chegou como apunhalada, as três amantes da folia me observavam como uma pequena aberração e tudo que fazia naquela hora era sorrir por dentro e por fora disfarçava uma inconveniente dor de cabeça. Pegamos a condução, o silêncio era sepulcral e vez ou outra abria um pouquinho os olhos e sentia umas flechadas de olhar, que me remetiam os pensamentos a Elis Regina e Adoniram Barbosa, mas a minha decisão já estava internamente tomada, não mais iria participar deste tipo de festa, enquanto ouvia os sussurros que me faziam relaxar tranquilamente:
- Não traremos ela nunca mais!!!
Meados da década de 1980, uma época em que não haviam tantas subdivisões e você era criança ou adulto. Ainda me reconhecia como criança, quando as filhas da vizinha nos convidaram e convenceram que ir a uma festa de largo era muito tranquilo, confesso que a curiosidade falou mais alto que a vontade de fazer parte de um bolo doido correndo atrás de um trio elétrico. Os olhos de minha irmã mais velha brilhavam, todos os “erres” do nosso sotaque recém chegado da capital paulistana pareciam desejar desde sempre frequentar aquele ambiente festivo.
As mães
Ainda tínhamos um obstáculo, nossa mãe precisava aprovar tal aventura, que não foi difícil, tamanha a seriedade das filhas da vizinha, que diziam ser um evento tranquilo, praticamente um passeio comum a todo soteropolitano, argumentos que forçaram nossa mãe a concordar com a ida, e todas as recomendações foram dadas, principalmente a que deveríamos retornar para casa todas juntas. No fundo, no fundo tudo não passava de um grande plano, pois a vizinha não deixaria suas filhas irem à festa, mas a notícia chegou bem diferente, como um pedido da vizinha nova, para que suas filhas que conheciam a cidade acompanhassem as recém chegadas do sul, que desejavam apenas observar como se dava a festa de nome estranho “Lavagem ”.
Os planos e estratégias utilizados nos diferenciava entre mandantes e mandados, e a partir daquele momento percebi que não poderia me posicionar de forma desvantajosa.
A Lavagem
Seguimos rumo a praia logo pela manha, na minha ingenuidade infantil acreditava que a festa cujo nome em nada me atraia já deveria ter começado, mas os corpos se estendiam na areia diante do grande mar e sob o sol escaldante. Tudo o que me restava era a opção de refletir a respeito da situação, que em nada me agradava mas a regra imposta por minha mãe era se foram juntas, voltam juntas e era sabido que desobedecer seria o mesmo que nunca mais ir a lugar algum e para quem ainda era criança, o termo “nunca mais” soava bastante assustador.
Lugar errado, hora errada
O relógio marcava dezesseis horas, acreditava que as toalhas eram recolhidas da areia para que enfim o retorno para casa se desse naturalmente, mas minha suspeita soou feito piada, e ouvi a frase que levou-me ao quase desespero: - A festa vai começar agora! - Era nítido meu desconforto diante de tamanha animação de minha irmã e as duas filhas da vizinha. Quando avistamos o trio elétrico, agarrei-me ao braço de minha Irmã, a multidão gigantesca se aproximava e logo fazíamos parte dela, mesmo contra minha vontade. Não sei quem tocava e tão pouco o nome do bloco, pior ainda era questionar o objetivo de seguir o trio sem saber ao certo qual seria o destino final. Perguntei a uma das meninas que sorria de felicidade e gritava: - Vai seguindo, vai seguindo, depois a gente volta! – Nessa hora percebi que aquele não era meu lugar, que sair sem determinar o trajeto não funciona muito bem, acompanhei a turma, visto que não vislumbrava outra opção, e quando já me conformava com a situação, ouço um solo de guitarra anunciando a primavera, de repente um momento de paz e refrigerei corpo e alma, Vivaldi, as quatro estações e uma ideia maravilhosa.
De tanto levar flechadas do seu olhar...
Fiz cara feia e simulei sentir dor. - Estou com dor de cabeça! - Fiz a declaração em alto e bom som, nesse momento as meninas perceberam que a festa havia acabado, afinal o decreto firmado exigia retorno para casa de todas juntas, estivessem ou não afim. A informação chegou como apunhalada, as três amantes da folia me observavam como uma pequena aberração e tudo que fazia naquela hora era sorrir por dentro e por fora disfarçava uma inconveniente dor de cabeça. Pegamos a condução, o silêncio era sepulcral e vez ou outra abria um pouquinho os olhos e sentia umas flechadas de olhar, que me remetiam os pensamentos a Elis Regina e Adoniram Barbosa, mas a minha decisão já estava internamente tomada, não mais iria participar deste tipo de festa, enquanto ouvia os sussurros que me faziam relaxar tranquilamente:
- Não traremos ela nunca mais!!!