Falando em Carnaval
Realmente não existem mais carnavais como os de antigamente.
Não estou afirmando isto por mero saudosismo. Nos carnavais de outrora quase todos os cantoras e cantores famosos eram disputados pelos compositores para gravarem uma ou duas músicas. E grandes compositores não faltavam; Assis Valente, Noel Rosa, Mário Lago, Mário Rossi, Roberto Martins, Jararaca, Felisberto Martins, Leonel Azevedo, Custódio Mesquita, Silvino Neto, Almirante, Benedito Lacerda, Pixinguinha, e muitos outros. Compositores de peso.
Três meses antes do carnaval, cantores como Orlando Silva, Sílvio Caldas, Francisco Alves, Carlos Galhardo, Gilberto Alves, Nuno Rolam, e cantoras como Linda e Dircinha Batista, Dalva de Oliveira, Marlene, Aracy de Almeida, Emilinha Borba, Isaura Garcia, Lourdinha Bittencourt e outras que estavam surgindo, gravavam duas ou mais músicas para o carnaval.
Desta forma, o povo sabia cantar as músicas para os três dias de “Momo”. Três meses antes, estrategicamente, as letras já estavam na memória de todos os que apreciavam as músicas de carnaval.
Os desfiles das escolas de samba, ou blocos de rua na época, baseando-me pela cidade de Campinas, onde nasci e moro, começavam perto das 17:00 horas e terminavam por volta das 23:00.
Lembro-me de ter assistido ao meu primeiro carnaval, no ano de 1941, ali na Avenida Andrade Neves, sentado na sarjeta bem em frente à cadeia (que era a única da cidade), e os carnavalescos se sucediam.
Primeiro vinha o corso. Eram os “Fords 29”, com suas capotas descidas, cheios de moças bonitas, saudando o povo com beijos e serpentinas. Todas de calças compridas brancas. Um escândalo para os vovôs e vovós daquele tempo.
Depois vinham os blocos, todos bem organizados, cada um com vinte ou trinta rapazes com fantasias iguais. Três ou quatro moças, muito elegantes e bem vestidas, completavam os blocos. Como sempre, atirando serpentinas nos espectadores.
Em seguida vinham as escolas de samba, compostas por mais de 200 rapazes todos também com igual fantasia, e fechando o desfile da escola vinha o carro alegórico trazendo a rainha da escola e suas princesas. Então o povo aplaudia.
Na sequencia vinha outra escola de samba, com a apresentação nos mesmos moldes da anterior, todos muito bem uniformizados e sempre com o carro da rainha fechando a apresentação.
Deve-se ressaltar que naqueles carnavais não havia um luxo exagerado com as fantasias ou com os carros alegóricos. Havia uma Guerra mundial em andamento na Europa e o Brasil fazia parte dos países aliados que buscavam lutar pela liberdade. O esforço de guerra custava bastante a todos.
Mas voltando ao carnaval, por último desfilavam os cordões que eram formados por um grande número de figurantes, com dois carros alegóricos. Um era o carro da rainha e o outro podia ser qualquer veículo, como um bonde, em tamanho menor. Mas empurrado pelos passageiros, que pareciam sentados, mas estavam de fato muito bem camuflados, discretamente movendo o veículo.
Os desfiles organizados naquele tempo eram muito bonitos. Todos os carnavalescos, os corsos, os blocos, as escolas de samba, os cordões, cantavam uma música de sucesso daquele ano, muito bem ensaiados.
Músicas como “mamãe eu quero”, “a mulher do Padeiro”, “a mulher do Leiteiro”, fizeram a alegria de todos naquele ano.
Abaixo seguem os versos das músicas “A mulher do Padeiro”, de autoria de Germano Augusto, J. Piedade e Nicola Bruni e “a Mulher do Leiteiro”, de autoria de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira:
A mulher do padeiro
Trabalhava noite e dia
Ê ê ê ê, ê ê ê ê ê ê ê
E viajava só no Bonde de Alegria
Cantava e pulava
E o padeiro não sabia
O padeiro zangado
Deixou de fazer pão
Não atendeu mais a sua freguesia
Deu tanto pinote, fez tanto fricote
Pra ser fiscal lá no Bonde de Alegria.
A mulher do leiteiro
Todo mundo diz que sofre
Sofre, sofre neste mundo
Mas a mulher do leiteiro sofre mais;
Ela passa, lava e cose
E controla a freguesia
E ainda lava as garrafas vazias.
E o leiteiro, coitado!
Não conhece feriado
Se encontra satisfeito
Toda noite é sereno
E a mulher dele
Que trabalha até demais
Diz que tudo que ela faz
Ainda é café pequeno.
E ainda havia mais de 20 músicas só daquele carnaval.
O meu pai, que nasceu em 1903, contava que ele e seus amigos, Bibiano, Raul Cavanhaque, Alfredo Girardi, Palmiro Lenzi acompanhavam os carnavais antigos com músicas como esta abaixo, “Alerta”.
Alerta.
Alerta
Vamos fazer revolução.
Nossas trincheiras vão ter mulatas,
Na avenida São João.
A Josefina tirou patente do fogão, largou a panela e a caçarola.
Namorava um tenente, mas se casou com um capitão.
Eu que vi esse carnaval de 1941 e outros carnavais posso dizer que quando chega o carnaval me dá um pouco de tristeza.
Mas sabem o que é isso?
Isso é saudade.