A nossa escola

Tiritávamos de frio naquelas aulas em pleno inverno e olhávamos com alguma interrogação para que serviria aquela bendita lareira de que a nossa escola estava dotada. Mas nada mais para além desse pensamento transpirava, com o receio que algumas reguadas para nos aquecer as mãos, falassem mais alto.

A mesma interrogação se fazia à vista daquela vitrina carregadinha de livros que nunca nos foi permitido folhear. Decoração e asseio era o que na nossa escola sobressaía. Nada de fumos nem lareira enfarruscada, nem livros com as lombadas engelhadas ou páginas ensebadas pelo uso dos alunos. Impecável portanto, no ponto de vista do inspector escolar.

A única sujidade visível era nos mapas onde apontávamos os rios e seus afluentes, as serras, as linhas do caminho-de-ferro, com o mesmo dedo com que desentupíamos o nariz. Assim como as carteiras, borradas com a tinta com que escrevíamos. O grande quadro preto era também bem utilizado, a avaliar pelas tábuas do estrado já bem desgastadas.

Mas no geral, era uma escola moderna, ainda com poucos anos. Bem iluminada, devido às grandes janelas viradas a nascente e provida de um pequeno jardim e um recreio onde a miudagem brincava.

Aulas separadas, meninos para um lado e meninas para o outro. O que é certo - é que ninguém se questionava do porquê, era assim porque sim e pronto! O mesmo se passava na igreja, homens a um lado e mulheres a outro.

Em vez de queixarmo-nos quanto à falta do aquecimento e da virgindade da biblioteca, temos que pensar nas dificuldades que outros tiveram muito antes da nossa geração, onde nem todos tinham o privilégio de aprender a ler ou de ter as comodidades tivemos, pese o facto de não se comparar aos tempos de hoje, mas cada época as suas características ou dificuldades.

Recordando: «Na Provedoria de Viseu, no período de 1800-1807, nas localidades que hoje constituem o Concelho de Tondela, encontram-se referenciadas as seguintes escolas régias masculinas: Besteiros, Canas de Sabugosa, concelho de Silvares, S. Miguel do Outeiro, Sabugosa, e três femininas em Tondela, S. Miguel do Outeiro e São João do Monte»

Como se pode verificar, tal vez dado à sua importância, S. Miguel do Outeiro enquanto concelho, era dotado de escolas públicas, mas sempre com a eterna separação, feminino / masculino.

Embora em casas adaptadas para o ensino, como foi o caso da casa da cadeia em escola feminina em 1892.

Mas a preocupação do bem-estar dos alunos fez com que a 29 de Outubro de 1910, a Câmara Municipal de Tondela obrigasse Miguel Correia, de S. Miguel de Outeiro, “para que retire imediatamente a cavalariça que se encontra nos baixos da casa da escola do sexo feminino daquela freguesia, por a sua permanência naquele lugar prejudicar a higiene da escola”.

Como se vê, já nessa altura prevalecia a preocupação do ar limpo em vez do aquecimento emanado da cavalariça.

Décadas depois, vêm uns maduros da minha geração relembrar cheios de rancor, o porquê de nunca terem visto o crepitar de umas cavacas na lareira da escola. Não entendendo que é muito mais saudável ter uma aula enregelada, em vez de enfarruscada e a tossir com o fumo.

Lorde
Enviado por Lorde em 03/03/2014
Reeditado em 04/03/2014
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