Na madrugada,
um planeta mulher
Hoje, domingo de carnaval, por volta das quatro da madrugada, acordei. Dormira bem até àquela hora. Nem um sonho e nem um pesadelo qualquer ousaram interromper meu sono, que foi profundo e reparador.
Isso não é, confesso, o normal. Nos últimos tempos, não tenho dormido a sono solto, como dizia meu saudoso pai, que não perdia uma noite, chovesse ou fizesse sol. Uma bênção!
Benção que ele, infelizmente, não me deixou de herança: padeço de insônias memoráveis e massacrantes.
Abri a janela do meu quarto, permitindo que o hálito frio da manhã, que nascia, invadisse, sem cerimônia, meu apartamento.
Uma madrugada de lua-nova, no primeiro instante, pareceu-me de céu vazio; sem estrelas.
Nada disso. As luzes da cidade, quase todas acesas, ocultavam as poucas estrelas que ainda enfeitavam o céu e isso não é novidade.
Na crônica intitulada Sertaneja, publicada em maio de 1960, minha conterrânea Rachel de Queiroz, com sua caneta primorosa, escrevia: "Uma coisa na cidade se perde: são as estrelas." E mais adiante: "... o reflexo das luzes da terra não consente que se avistem direito as luzes do céu."
Com os olhos sonolentos e curiosos, procurei, como um autêntico cabeça-chata, penetrar na escuridão do céu. Rachel, mais uma vez, e na mesma crônica, garante que nenhum cearense "é capaz de passar todo um dia sem estudar o céu, com angústia e alegria."
Naquela nesga de madrugada baiana eu olhava pro o céu com alegria. Não existiam motivos para espiá-lo com angústia; ainda que a lua fosse nova e não cheia...
Foi quando vi, saindo do mar da Pituba, na linha do horizonte nascente, uma "estrela" que não é estrela! Chamam-na de estrela d´Alva, estrela matutina, estrela vespertina e estrela do pastor. Mas ela é, apenas, o encantador planeta Vênus.
Chamemo-la, aqui, de estrela matutina, que nascia, ainda a autora de O Quinze, "iluminando a madrugada que até parece feita de brilhante..."
Acompanhei-a, até ela ser apagada pelos primeiros raios do sol. Oh! o Irmão Sol, que, como escreveu São Francisco de Assis, "... é belo e radiante com grande esplendor./ E traz o teu sinal, ó Altíssimo", no seu Cantico di Frate Sole. Na língua pátria do Poverello: "Et ellu è bellu e radiante/ cum grande splendore:/ de te, Altissimu, porta significatione."
Já dia chegado, retornei à minha redinha, trazendo na memória a vinda triunfante da estrela matutina que, no seu périplo pelo céu, como disse, ora é estrela vespertina, ora é estrela d´Alva. Mas, isso é certo, ela será sempre Vênus, um planeta mulher, e, por isso sedutor...
um planeta mulher
Hoje, domingo de carnaval, por volta das quatro da madrugada, acordei. Dormira bem até àquela hora. Nem um sonho e nem um pesadelo qualquer ousaram interromper meu sono, que foi profundo e reparador.
Isso não é, confesso, o normal. Nos últimos tempos, não tenho dormido a sono solto, como dizia meu saudoso pai, que não perdia uma noite, chovesse ou fizesse sol. Uma bênção!
Benção que ele, infelizmente, não me deixou de herança: padeço de insônias memoráveis e massacrantes.
Abri a janela do meu quarto, permitindo que o hálito frio da manhã, que nascia, invadisse, sem cerimônia, meu apartamento.
Uma madrugada de lua-nova, no primeiro instante, pareceu-me de céu vazio; sem estrelas.
Nada disso. As luzes da cidade, quase todas acesas, ocultavam as poucas estrelas que ainda enfeitavam o céu e isso não é novidade.
Na crônica intitulada Sertaneja, publicada em maio de 1960, minha conterrânea Rachel de Queiroz, com sua caneta primorosa, escrevia: "Uma coisa na cidade se perde: são as estrelas." E mais adiante: "... o reflexo das luzes da terra não consente que se avistem direito as luzes do céu."
Com os olhos sonolentos e curiosos, procurei, como um autêntico cabeça-chata, penetrar na escuridão do céu. Rachel, mais uma vez, e na mesma crônica, garante que nenhum cearense "é capaz de passar todo um dia sem estudar o céu, com angústia e alegria."
Naquela nesga de madrugada baiana eu olhava pro o céu com alegria. Não existiam motivos para espiá-lo com angústia; ainda que a lua fosse nova e não cheia...
Foi quando vi, saindo do mar da Pituba, na linha do horizonte nascente, uma "estrela" que não é estrela! Chamam-na de estrela d´Alva, estrela matutina, estrela vespertina e estrela do pastor. Mas ela é, apenas, o encantador planeta Vênus.
Chamemo-la, aqui, de estrela matutina, que nascia, ainda a autora de O Quinze, "iluminando a madrugada que até parece feita de brilhante..."
Acompanhei-a, até ela ser apagada pelos primeiros raios do sol. Oh! o Irmão Sol, que, como escreveu São Francisco de Assis, "... é belo e radiante com grande esplendor./ E traz o teu sinal, ó Altíssimo", no seu Cantico di Frate Sole. Na língua pátria do Poverello: "Et ellu è bellu e radiante/ cum grande splendore:/ de te, Altissimu, porta significatione."
Já dia chegado, retornei à minha redinha, trazendo na memória a vinda triunfante da estrela matutina que, no seu périplo pelo céu, como disse, ora é estrela vespertina, ora é estrela d´Alva. Mas, isso é certo, ela será sempre Vênus, um planeta mulher, e, por isso sedutor...