Carnaval e o Rio antigo

                                                                                          


                                        Acabo de assistir  a um  vídeo com cenas do Rio antigo,  texto do genial Chico Anysio, e,  ao fundo,  Alcione cantando aquele maravilhoso Rio de Janeiro de outrora.  Danuza, minha filha mais velha, enviou o filme para mim, com a  certeza  de que iria  me agradar. E como agradou! No canto da Alcione, ela vai recordando Oscarito, Grande Otelo, Dalva de Oliveira, Herivelto, crianças na calçada, brincando sem perigo; o  bonde Ipanema, Cine Rian, Lamas, Ary Barrroso, Lamartine Babo,  Café Nice, a eterna Lapa, PRK-30, Copa Roca, os Anjos do Inferno, Dolores Duran, Sergio Porto e seu bom humor, bate-papo na esquina, Zizinho no gramado, pregão de garrafeiro, garrafeeeeiiiiiiiiiiiroooooooooo(geralmente, um português, que comprava garrafas e jornais velhos), Cinelândia, carnaval com serpentina, Waldir Calmon, Show do Walter Pinto, com mulheres mil.

                                        E eu por minha conta, no embalo da música, vou  acrescentando e vivendo  o cassino da Urca, a galeria Menescal, o cine Azteca, na rua do Catete, o Metro Passeio, Metro-Copacabana,  os seriados da rádio Nacional: Jerônimo, o Herói do Sertão, e o Anjo,   Balança Mais não cai, aos domingos à noite;  Bossa Nova, o Mourisco, os bailes de Carnaval no High Life, o Bola Preta, Teatro Municipal,  o Gentileza,  na Praça XV,  a Hípica, na Lagoa Rodrigo de Freitas;  o Jockey Clube, com Rigoni ( Dá-lhe Rigoni!);  as corridas de carro no Alto da Tijuca e nosso melhor corredor, o Chico Landi;  a Praça Saens Peña, o Lido, o Leme, Posto Seis, Arpoador e, naturalmente, Copacabana - a princesinha  do mar.  É muita coisa pra recordar!
                                        Fico a pensar por que a vida do Rio de Janeiro deteriorou tanto, quais as causas, os motivos. A gente daquela época de ouro e a gente de hoje são diferentes? O que mudou?  Perdemos a gentileza? A solidariedade? Os nossos melhores valores? A preocupação com o próximo? A honestidade? O brio, a vergonha? Afinal, o que aconteceu? Os tempos modernos pregaram essa peça com  todos nós? Perdemos o rumo? O prumo?
                            O tempo todo aparece na internet, através de um vídeo, de uma música, de uma poesia recitada, esta relembrança do Rio antigo. Passo a meditar que a insistência no  tema, esta exaltação de um tempo que não voltará nunca mais, não pode ser um mero saudosismo, uma implicância dos mais velhos. Não! Neste aparente saudosismo há algo maior que precisa ser urgentemente analisado. Para mim, é como um pedido de socorro, sem, ainda,  uma articulação adequada. É como um organismo doente, que, através de uma febre constante e rebelde, denuncia que algo no corpo vai muito mal e necessita de cuidados urgentes para voltar à normalidade.
                       As grandes cidades do Brasil, com excesso de população, onde todos praticamente se desconhecem, estão gritando por socorro e ninguém parece ouvir esses gritos desesperados. A criminalidade generalizada, cada vez pior, é o sinal mais evidente. E não adianta mais suplicar por simples punição para os delitos que se avolumam. A crise, sinto, é bem mais profunda e  estamos custando a encontrar  a terapia que nos salvará.
                    É urgente, pois, que a nossa ficha existencial caia, nos religando para uma vida que já tivemos e que nos dê, novamente, orgulho de bem vivê-la.
                  Em um mundo globalizado, dizem, os filósofos perderam a vez. Estamos na era da técnica. Novas engenharias são necessárias.  Quem sabe, já que falei em rumo e prumo, a esperança agora se encontre  nas mãos dos engenheiros e arquitetos?

                   Estou republicando e fazendo a junção de partes de duas crônicas antigas, pois hoje é o dia do aniversário do Rio de Janeiro, 449 anos de existência. E é sábado de carnaval. Este apelo pela volta dos anjos bons dos velhos tempos parece que teve efeito este ano. Os blocos de rua voltaram, com toda a irreverência carioca. Como se diz atualmente, encontramos de novo o foco?
                  
                                              Como todos sabem, e aí chego no ponto que estou querendo falar, está havendo um soerguimento dos blocos de rua, que tanto encantaram a minha geração no Rio. Sou do tempo do “Bafo da Onça”, Caciques de Ramos, Cordão do Bola Preta, de onde fui expulso com dez minutos de baile (uma tremenda injustiça), Banda de Ipanema e do  Suvaco de Cristo, que um cardeal tentou mudar para “axilas divinas”, mas a turma resistiu bravamente.
                                               Apenas para efeito didático e a crônica  de hoje é  informativa, lanço o nome de inúmeros blocos cariocas, que ainda conservam aquela irreverência tão decantada por todos nós e, pasmem, a alusão ao “Catete”, vamos dizer assim, parece generalizar-se,    é uma constante também irresistível. O apelo ao bom sexo é universal. Aliás,  fazendo um parêntese, posso contar aos amigos leitores que vivi uma ilusão sexual benigna, graças a um colega mais velho que, sabedor de minha admiração pela maior vedete do Brasil, a Virgínia Lane (recentemente falecida), inventou que ela recebia convidados em sua residência, no edifício do cinema Roxi, em Copacabana, no meio da tarde,  com direito a um chá com bolachas cream cracker...( não abria mão da manteiga nessas bolachas).  Mas teria que presenteá-la...(essa era a maldade brincalhona do amigo).  Nunca consegui juntar meu dinheirinho para receber o convite (ganhava um cruzeiro por dia, um real atual). Mas vejam como é o carioca: ele me dizia que este estímulo fortaleceria o lado macho herdado de meu pai. Um carioca de hoje, com certeza, me diria: "estou fortalecendo o seu gene 42, para que não haja qualquer inversão, nem no número, o que, além de ser bom, me salvaria do mundo preconceituoso. 
                                              Mas  vamos ao nomes dos blocos,  não sem antes dar uma explicação sociológica para o verdadeiro espírito do carioca. Os nomes ambíguos inventados pela turma do Rio não têm a intenção de ferir ninguém, mas apenas brincar com a dubiedade.... A rua do Catete vem com novo bloco: “Balança meu Catete”.  Passo a enumerar os convites que recebi,    dentre tantos outros blocos, encerrando esta crônica com o máximo decoro,  se isto é possível...
             Blocos de Rua :
Cheiro na Testa
Pequeno Mas Vai Crescer
Escorrega na Baba do Quiabo
Espreme Que Sai
Pinto Sarado
Vestiu uma Camisinha Listrada e Saiu por aí
Brochadão a Hora é Essa
Calma , Calma Sua Piranha
Cutucano Atrás
Desliga da Justiça
Katuca que Ela Pula
Largo do Machadinho, mas não Largo do Suquinho
O Pluto é Filho da Pluta
Perereka Sem Dono
Rola Preguiçosa Tarda, mas Não Falha
 
Vem Ni Mim Que Sou Facinha
Vai Tomar No Grajau
O Negócio Tá Feio e o Teu Nome Tá No Meio.
                      Mas antes de terminar,   recomendaria, ainda,   para quem não é do Rio, os seguintes blocos: Bagunça meu Coreto, no Flamengo; Imprensa que eu gamo, nas Laranjeiras onde morei; Nem muda nem sai de cima, no bairro da Muda, pertinho do Méier; Imaginou, agora amassa, do Leblon; Carmelitas, em Santa Tereza; Badalo de Santa Tereza; Concentra mais não sai, também de laranjeiras (pessoal criativo esse de Laranjeiras); Empurra que pega, no Leblon; Bloco da Ansiedade, também em Laranjeiras, muito frequentado; Largo do Machado, mas não largo do Copo, no Largo do Machado; Bloco Galinha do Meio-Dia, em Copacabana; Se melhorar afunda, em Niterói (Niterói não podia faltar); Mulheres de Chico, no Leblon; Se me der eu como, na Tijuca; Se não quer me dar... me empresta, na Lapa (só podia ser!); Que merda é essa? ( quem me conhece sabe que adoro esse inocente palavrão, mas juro que não  fui eu que criei esse bloco) e por último, pela primeira vez, o bloco dos cegos do Instituto Benjamim Constant, o primeiro do mundo, intitulado  BeijaMim no Escuro.
                        Apelei lá no início desta crônica carnavalesca para os engenheiros e arquitetos, mas algo me diz que o bom humor é que tem força para desconstruir tanta ignorância e violência que tomou conta da humanidade.
                          E é assim que esconjuro a violência , mandando-a para a "tonga da mironga do cabuletê". É preciso mostrar o ridículo, a inutilidade da violência, desmoralizá-la para sempre.
                                         Foi gostoso conversar e brincar com os amigos e amigas, através desta crônica. E termino, apesar do carnaval, e mesmo não sendo religioso, com um afetuoso "Deus os abençõe".