Uma alma maior do que o corpo
         
          Acontecem lembranças prazerosas, mas persistentes, emocionando-nos, enchendo-nos de lágrimas, avermelhando nossos olhos, lavando tristes ou alegres faces, fazendo chorar valentes que pretendem resistir às lágrimas, mas depois reconhecendo a preciosa grandeza humana de chorar, se brotada do sentimento. Há boas e furtivas recordações que chegam sem avisar, vão e retornam, dia e noite, como quem desejasse que pessoas, coisas ou fatos nunca fossem esquecidos. Assim, comemoramos, na Academia Paraibana de Letras, o centenário do nosso confrade da cadeira 23, Abelardo de Araújo Jurema.  

          Há almas que não cabem dentro do corpo, a de Abelardo Jurema é uma dessas... Senti isso em poucas convivências, quando se mostrou atencioso, bondoso, afável  e delicado no trato. A memória desse homem me vem dos tempos de menino, em Itabaiana, quando, na escola, ensinava-se e aprendia-se o orgulho cidadão de pertencer a uma terra, berço do filho ilustre Abelardo Jurema. Por tal motivo, em 1999, organizei, na Câmara dessa cidade, as últimas homenagens que os itabaianenses prestaram diante do corpo do dileto conterrâneo. O Ministro voltava à casa materna para ali permanecer para sempre, enquanto seu espírito, cuja imortalidade mora na APL, voar dessa pousada, em vários céus, por várias terras, encontrando-se com outros espíritos, com amigos, a cultivar conosco sua memória, e, no dia a dia sem fim, o amor da família.

          A História sabe quando o Ministro Abelardo Jurema, em 1964, ouviu pelo rádio e leu pelos jornais um dos maiores golpes da sua vida, o que Abelardo Jurema Filho conta, no seu livro, ao narrar aqueles dias, na casa 27 da Rua Cesário Alvim. O pai atônito como um pássaro expulso da própria casa, sem escolher aonde voar, depois de afastado da amabilidade do lar e expatriado da cultura da pátria. O
exílio é como o sofrimento de uma chama que não termina quando queima, nem quando se apaga. Contudo, para o então Ministro da Justiça, mais do que exilar-se, o maior golpe foi a forçada separação dos filhos, da esposa; o esvaecimento do entusiasmo político e a perda da liberdade para si e para todos os brasileiros, aos quais servia. Parodiando o verso “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, de Fernando Pessoa, diria que quando a alma é imensa, o corpo se dispensa... Hoje, a Academia Paraibana de Letras comemora uma história que, há cem anos, continua viva.