Minha Alegria Atravessou o Mar
 

A maioria dos brasileiros não gosta de carnaval, 
mas a minoria que gosta faz um barulho imenso.
Augusto Branco

 
E viva o Carnaval até para você que, na opinião de Caymmi, é mau sujeito, ruim da cabeça ou doente do pé! Assim como eu. Ok! Exagerei. Eu gosto de samba. Até canto alguns, com traquejo e swing de sambista. Não gosto é de sambar. Lembra da Charlene, da família Dinossauro? Sou eu. Empino o bumbum, encolho os bracinhos e balanço no ritmo, que ritmo eu tenho. Só não consigo transformar a cadência natural da melodia contagiante em coreografia.
Também não gosto da folia. Quando criança, ia às matinês, adorava os confetes, serpentinas, as marchinhas, as fantasias. Mais mocinha, gostava das paqueras. Depois, percebi que, mulher, atrás do trio elétrico, é bem de domínio público: me passaram tanto a mão, que prometi a mim mesma só sair de novo fantasiada de porco-espinho. Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu. E, a partir de então, eu.
Mais: não herdei do papai o encanto pelos desfiles. Acho samba enredo uma chatice, tirando um ou outro que se tornaram clássicos. Falta-me hormônio pra ver graça naquele monte de peitos e bundas bronzeados, balançando entre plumas e paetês. Papai gostava. Era homem de bem, super família, católico fervoroso. Mas se havia uma coisa que o velhinho gostava e, felizmente, mamãe não se importava, era de admirar a beleza de um corpo feminino bem torneado. Daí que ele passava horas em frente à telinha vendo as escolas passarem rebolando em calcinhas minúsculas de miçangas coloridas.
Mas se eu não gosto de sambar, não suporto bailes ou blocos de rua e não vejo graça nos desfiles, por que estou aqui a distribuir loas para a maior festa do mundo?
Por causa do feriado, ué! Tudo bem que, em seguida o ano começa, e voltamos a trabalhar como se a rotação da terra dependesse disso, mas até lá, é vida mansa, água fresca e, se São Pedro deixar, muito sol pra eu pegar um belo bronze.
Bem queria que minha alegria atravessasse as passarelas e me levasse até o mar, mas, mesmo ficando em casa, “é carnaval, é folia e neste dia, ninguém chora”.
Vai daí, quero mais é que a minha alegria atravesse o mar e, sem ancorar em passarelas, chegue bem porta-bandeira pra contagiar você.

 
Texto publicado no jornal Alô Brasília em sua edição de 28/02/2014 e reeditado do texto homônimo publicado neste Recanto das Letras em 19/02/2009.