“Quanto riso, quanta alegria
Mais de mil palhaços no salão...”
(Zé Keti)
O Carnaval de ontem
Somente hoje, muitos anos depois, é que podemos compreender as razões (era simplesmente uma questão de cultura e religiosidade) que nosso pai tinha para não nos permitir nem um tipo de diversão. Nada de bailes, carnaval, calças compridas. Olhávamos as nossas colegas e não podíamos compreender nada. Se as atividades sociais envolvessem a igreja, podíamos participar, desde que o seu olhar severo nos acompanhasse.
Eu me lembro que o frio de julho era cortante e era época de quermesses. Esta era a única ocasião que eu podia usar uma calça comprida azul clarinho, cujo tecido eu o sinto nos dedos até hoje, emprestada pela amiga Vania. No outro dia eu a levava de volta, triste por não poder usá-la de novo. Papai me permitia usar a bendita calça porque me protegia do frio, enquanto eu corria de um lado para outro vendendo bilhetes de rifa. Entretanto, não restaram mágoas de nosso pai. Somos todas muito bem resolvidas e este lado sonhador foi desenvolvido nas fantasias que vivíamos e que não podíamos participar de verdade. Ele dava o melhor de si e sempre soubemos disso.
O Carnaval era uma época que me fascinava, não somente pela alegria nas pessoas mas pela imaginação de “ver” o clube enfeitado para que os foliões se divertissem. Eu sorrio quando me lembro, anos mais tarde, quando pude participar de um baile de carnaval. Não teve graça nenhuma. Fiquei sentadinha num canto do salão só vendo as pessoas dançando e fui para casa cedo.
Nós éramos obrigadas a ir para o retiro no colégio. Rezar o tempo todo. Imaginar como era lindo todos os pierrots e colombinas dentro do salão do clube, que era pertinho de nossa casa... E nós e mais algumas (poucas) outras alunas dentro do colégio, dentro da capela, rezando por todos os “pecadores” que a cidade tinha. Mesmo com a vinda dos nossos amigos de longa data, Cavalieri e Yolanda, que adoravam o Carnaval, nada mudava no comportamento dos nossos pais. Nossos amigos traziam apitos, serpentinas, confetes, bolas, chapéus enfeitados, lança-perfumes, fantasias, mas de nada adiantava. As três meninas continuavam exatamente no lugar comum, isto é, no retiro. Nega se recusava a rezar, por mais que as freiras pedissem. Eu entrava nas atividades do retiro porque não tinha mesmo opção. Até hoje sou assim. Eu me adapto a qualquer tipo de situação. Adorava fugir para as hortas do colégio para comer erva-doce e tomates enquanto enganava as freiras dizendo que ia ao banheiro.
No último dia de carnaval, a comunidade se divertia demais com a tarde do talco. Era uma brincadeira simples, engraçada e sem nenhuma maldade. Este dia, nossos pais nos deixavam ir até a casa da minha madrinha, em frente a igreja, ficar da sacada assistindo “um pouquinho” às brincadeiras. As pessoas se arrumavam todas bem bonitas e com roupas alegres. Iam para a pracinha, mas eram impedidos de continuar o “passeio” porque eram “atacadas” por foliões que jogavam talco em cima delas ! Era isso! As pessoas que eram premiadas com o talco – claro que havia toda uma resistência para dar mais graça ... – aderiam ao grupo. Os blocos de sujo tomavam conta das ruas, era incrível ver aquele amontoado de gente vestindo roupas exóticas e com os rostos tapados. Era impossível mesmo saber quem era quem.
E quantos beijos rolaram nos blocos de sujo... E quantos casamentos também surgiram nos carnavais da nossa pequena cidade. Enquanto havia a festa do talco, a matinê no clube era o que havia de mais belo. As crianças eram fantasiadas de bailarinas, pierrots, palhacinhos, bonecas, borboletas, havia de tudo um pouco. E claro, nós não participávamos. Nem de longe, nem de perto. Era frustrante e triste ao mesmo tempo. Não sabíamos o que se passava na mente dos nossos jovens pais. Quando tudo acabava, eu arranjava sacos de papel de pão e ia para as ruas catar o que sobrava dos confetes e serpentinas. Levava para casa e fazia então o meu carnaval particular, no quintal debaixo da casa, caminhos de confete, montava casinhas e enfeitava tudo com as serpentinas.
Que bom, que alívio, o outro dia ser a quarta-feira de cinzas, quando começava a quaresma, o período de reflexão e tristeza dos últimos dias da vida de Cristo. Uma das coisas mais lindas da natureza se dava nessa época. No Carnaval, as árvores eram cobertas de enormes quaresmeiras amarelas, circundando a nossa cidade – e na quaresma – incrível – eles eram substituídos por outra cor ... Lilás! Até nisso Deus colocava as cores no que as pessoas deveriam sentir. Se não acredita, vá lá ver...
Mais de mil palhaços no salão...”
(Zé Keti)
O Carnaval de ontem
Somente hoje, muitos anos depois, é que podemos compreender as razões (era simplesmente uma questão de cultura e religiosidade) que nosso pai tinha para não nos permitir nem um tipo de diversão. Nada de bailes, carnaval, calças compridas. Olhávamos as nossas colegas e não podíamos compreender nada. Se as atividades sociais envolvessem a igreja, podíamos participar, desde que o seu olhar severo nos acompanhasse.
Eu me lembro que o frio de julho era cortante e era época de quermesses. Esta era a única ocasião que eu podia usar uma calça comprida azul clarinho, cujo tecido eu o sinto nos dedos até hoje, emprestada pela amiga Vania. No outro dia eu a levava de volta, triste por não poder usá-la de novo. Papai me permitia usar a bendita calça porque me protegia do frio, enquanto eu corria de um lado para outro vendendo bilhetes de rifa. Entretanto, não restaram mágoas de nosso pai. Somos todas muito bem resolvidas e este lado sonhador foi desenvolvido nas fantasias que vivíamos e que não podíamos participar de verdade. Ele dava o melhor de si e sempre soubemos disso.
O Carnaval era uma época que me fascinava, não somente pela alegria nas pessoas mas pela imaginação de “ver” o clube enfeitado para que os foliões se divertissem. Eu sorrio quando me lembro, anos mais tarde, quando pude participar de um baile de carnaval. Não teve graça nenhuma. Fiquei sentadinha num canto do salão só vendo as pessoas dançando e fui para casa cedo.
Nós éramos obrigadas a ir para o retiro no colégio. Rezar o tempo todo. Imaginar como era lindo todos os pierrots e colombinas dentro do salão do clube, que era pertinho de nossa casa... E nós e mais algumas (poucas) outras alunas dentro do colégio, dentro da capela, rezando por todos os “pecadores” que a cidade tinha. Mesmo com a vinda dos nossos amigos de longa data, Cavalieri e Yolanda, que adoravam o Carnaval, nada mudava no comportamento dos nossos pais. Nossos amigos traziam apitos, serpentinas, confetes, bolas, chapéus enfeitados, lança-perfumes, fantasias, mas de nada adiantava. As três meninas continuavam exatamente no lugar comum, isto é, no retiro. Nega se recusava a rezar, por mais que as freiras pedissem. Eu entrava nas atividades do retiro porque não tinha mesmo opção. Até hoje sou assim. Eu me adapto a qualquer tipo de situação. Adorava fugir para as hortas do colégio para comer erva-doce e tomates enquanto enganava as freiras dizendo que ia ao banheiro.
No último dia de carnaval, a comunidade se divertia demais com a tarde do talco. Era uma brincadeira simples, engraçada e sem nenhuma maldade. Este dia, nossos pais nos deixavam ir até a casa da minha madrinha, em frente a igreja, ficar da sacada assistindo “um pouquinho” às brincadeiras. As pessoas se arrumavam todas bem bonitas e com roupas alegres. Iam para a pracinha, mas eram impedidos de continuar o “passeio” porque eram “atacadas” por foliões que jogavam talco em cima delas ! Era isso! As pessoas que eram premiadas com o talco – claro que havia toda uma resistência para dar mais graça ... – aderiam ao grupo. Os blocos de sujo tomavam conta das ruas, era incrível ver aquele amontoado de gente vestindo roupas exóticas e com os rostos tapados. Era impossível mesmo saber quem era quem.
E quantos beijos rolaram nos blocos de sujo... E quantos casamentos também surgiram nos carnavais da nossa pequena cidade. Enquanto havia a festa do talco, a matinê no clube era o que havia de mais belo. As crianças eram fantasiadas de bailarinas, pierrots, palhacinhos, bonecas, borboletas, havia de tudo um pouco. E claro, nós não participávamos. Nem de longe, nem de perto. Era frustrante e triste ao mesmo tempo. Não sabíamos o que se passava na mente dos nossos jovens pais. Quando tudo acabava, eu arranjava sacos de papel de pão e ia para as ruas catar o que sobrava dos confetes e serpentinas. Levava para casa e fazia então o meu carnaval particular, no quintal debaixo da casa, caminhos de confete, montava casinhas e enfeitava tudo com as serpentinas.
Que bom, que alívio, o outro dia ser a quarta-feira de cinzas, quando começava a quaresma, o período de reflexão e tristeza dos últimos dias da vida de Cristo. Uma das coisas mais lindas da natureza se dava nessa época. No Carnaval, as árvores eram cobertas de enormes quaresmeiras amarelas, circundando a nossa cidade – e na quaresma – incrível – eles eram substituídos por outra cor ... Lilás! Até nisso Deus colocava as cores no que as pessoas deveriam sentir. Se não acredita, vá lá ver...