Mais uma dança
Mais um dança
Ele apareceu no meio do salão, junto de outros, coberto de uma camisa branca. Carregava um sorriso torto no rosto e vestia um chapéu preto na cabeça. Um pouco misterioso. Olhou ao redor até seus olhos simpatizarem com o que estava procurando. Naquele momento, eu o olhei, pois no caminho da sua procura seus olhos passaram pelos meus. Estudei os seus contornos, seus movimentos, sua tensão, sua timidez e principalmente, o seu olhar.
Senti atração naquele momento. Meu corpo parecia pensar sem minha permissão. Sem meu consentimento. Simplesmente, já estava querendo ele, a qualquer custo.
Seus olhos eram chamas de sensação desconhecida e forte. Fogo que queimava sem a presença das chamas crepitantes e alaranjadas. Seus lábios chamavam-me. Minhas retinas percebiam e fotografavam todas aquelas cores e as mantinham mais nítidas possíveis para que eu não o esquecesse. Eu sabia que não poderia esquecê-lo. Pois, sua imensidão âmbar fazia um afoitamento acender em mim, me desligando do meu arredor e fazendo a sua presença ser o centro da minha atenção.
Eu desejava sentir o sabor das palavras dele. Ansiava em estar perto daqueles braços o tempo que fosse necessário. Queria navegar nas suas ondas sonoras insinuantes. Mas, a verdade é que eu apetecia de todo ele, queria afundá-lo em meus caminhos fantasiosos, para que o caminho da saída fosse o mais longo possível. Sem barreiras de inexplicáveis linhas de caminhos confusos. Espontaneamente liberto em mim.
Foi então que a oportunidade de uma dança veio se apresentar, no meio do salão.
Eu me sentia transparente àquela sensação abstrata e inexorável. As ondas energéticas dele adentravam em mim fácil demais, como se a minha alma tivesse já feito o convite em outro lugar, em outra época, mas, para esse exato momento. Era algo inimaginável, porém, aceitável. Deixei-me ser conduzida por seus passos a levitar.
E lá estava eu, envolvida na profundeza dos seus olhos lindos, cristalinos e amigos.
Abraçando o ensejo não visto e nem imaginado outrora. Sua transcendência envolvia-me.
Ele me olhava de soslaio. Aqueles olhos de chocolate. Ah, chocolate! Deliciosos e convidativos para uma excursão degustativa. Seu cenho franzia de vez em quando. Talvez por não entender a conexão imediata, havia indagações em sua face branca.
Meus olhos percorriam cada expressão que o dizia em fragmentos.
Havia mais, muito mais do que aquilo que estava à minha disposição e à minha percepção.
Quando tive a oportunidade de me encostar em seus ouvidos, eu disse:
- Eu já troquei as loucuras da noite pelas alegrias do dia. Mas essa sensação não troco por nada. Não quero mais nada, desde que você esteja por perto. E quer saber? A terra é o lugar das escravizantes paixões. Não vá se iludir querido, há muito que absorver. Somos efêmeros.
E ele nada disse. Só concordou com a cabeça à medida que íamos percorrendo o salão.
O tom sério dele perseguiu meu corpo com dúzias de arrepios esvoaçantes. Não sabia muito bem o que era aquilo, mas, havia algo me recebendo muito bem dentro dele, tal qual o mar de noite, profundo e negro que abraça o céu, também negro, e que ambos se fundem até o fim da madrugada, ao clarear o dia.
Ele havia ficado em estado latente por alguns dias. Depois agradeci a dança e ele, disse queria outra oportunidade para mais uma dança.