Momento Mágico

Rosa Pena



Entraram todos no mesmo barco. Turistas, mergulhadores profissionais, pesquisadores do meio ambiente. Grupos distintos, cada qual em um canto. Todos olhavam o mar e a paisagem em geral com extrema admiração.
De repente, ela sentiu um olhar direcionado a ela. Retribuiu. Ambos se olhavam fixo através dos óculos escuros. Tinham aquela certeza de olhos nos olhos, por trás das lentes.

Buscavam as reações nos traços dos rostos, frente aquele espetáculo da natureza.

A embarcação parou, chegara o momento do mergulho. Óculos foram substituídos por máscaras, e por frações de segundo houve uma troca direta de olhares.

Dispersaram-se no meio de seus grupos.

Ela mergulhou e encantou-se com a cor da água, a variedade de peixinhos coloridos e espantou-se com cardumes de peixes grandes, chegando a sentir até um pouco de receio.

Ao longe, viu-o tomando a temperatura da água, discutindo as espécies e o habitat marinho. Algumas horas de real encontro do ser humano com a natureza.
A maré enchia, hora de retornar ao barco.

Estava escurecendo e não existiam mais motivos para os óculos escuros. A lua começou a aparecer; o céu, a ficar pontilhado de estrelas. Passaram, então, a olhar para o céu e apenas algumas trocas de olhares furtivos. Ele fotografava os fenômenos da maré, a posição e fase da lua.

De longe, ela percebeu que ele fazia anotações em uma folha de papel. Ela tentava guardar na memória os versos que lhe vinham à cabeça.

Ele parecia o tempo todo lúcido e racional. Um cientista. Enquanto ela transbordava o tempo todo em emoção. Uma poeta. Opostos que se encontraram, vivendo juntos aquele momento mágico, com visões tão diferentes.


Àquela altura, ela já havia incorporado nele o Richard Gere, olhando-a fixamente e imaginando beijá-la. Sua mente, extremamente produtiva, a avisava no entanto que ele provavelmente preferiria que ela fosse uma luneta a ser uma Júlia Roberts, babando por ele.

"Droga!", pensa ela. "Ele deve estar preocupado em identificar a Ursa Maior ou Menor no meio daquele montão de estrelas. Provavelmente a ligeireza em suas anotações é para não se esquecer de cadastrar alguma espécie extinta do mundo aquático."

Sente-se ridícula por querer saber a cor definida dos olhos dele. Definitivamente, xingava-se pela certeza antecipada do esquecimento dos versos que sopravam em sua cabeça, produto do mar, do céu e dele. A presença do pesquisador Gere a transtornava.
Quase chegando em terra, bateu um vento forte. Ela não havia levado agasalho. Sempre fora poeticamente correta. Ele abriu uma mochila e apanhou uma capa. Sempre fora politicamente correto.

O barco atracou, o vento aumentou. Ela se sentia desamparada e despreparada para a longa caminhada pela areia até o estacionamento dos carros. Não olhou mais para nada, andou apenas ligeiro. Sentiu um certo alívio por perceber que o vento havia diminuído. Não viu que ele abrira a capa atrás dela, fazendo uma marquise para protegê-la do frio.

Ao chegar ao estacionamento, correu para o seu carro. Abriu a porta e abaixou-se para limpar os pés. Levou um susto ao ver cair uma folha de papel no banco traseiro. Apanhou rápido e viu o esboço de seu rosto, ali, desenhado.

Virou-se correndo e distinguiu ao longe o vulto de seu Richard Gere, confundindo-se com as estrelas, acenando um adeus de costas.

O universo é enorme. O amor é infinito. Ambos, um enigma.








 

Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 19/02/2005
Reeditado em 01/11/2008
Código do texto: T4707
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