ME AJUDEM, QUAL DESSAS CRÔNICAS DEVO ENVIAR AO CONCURSO?

Quase

Como nunca levou jeito para a música nem para a arte da carpintaria, Osmar dos Santos formou-se advogado — profissão que muito lhe convinha, visto que não nascera para outra coisa senão para advogar. Rosinha Carvalho, por sua vez, já aos treze sabia comandar uma casa como ninguém: lavava, passava, cozinhava e fazia magníficos arranjos de flores. Certa vez passou por Bauru, onde residia a moça, um amigo do Dr. Carvalho que, abismado com os arranjos, felicitou: "Mas que lindo arranjo de flores, Rosinha!" Dr. Carvalho, bom pai e conhecedor das artes varonis para atingir a cópula, muito prudentemente acertou três tiros no homem, que morreu ali mesmo. Mas Osmar nunca ficou sabendo do ocorrido, posto que não nascera em Bauru nem nunca por lá passara (a bem da verdade, só saíra uma vez de sua cidade, indo para São Vicente a trabalho) e, sendo assim, não ficou chocado e pôde continuar com sua nobre ocupação sem maiores (nem menores) tormentos. Rosinha chorou um pouco, mas depois resignou-se com a fatalidade e continuou com seus lindos arranjos. Rosinha, bela moçoila e prendada como só, já estava em idade de casar. Osmar, advogado com o diploma na parede e a bela tabuleta na porta, também. Eis que um dia quis o destino, esse cosedor de histórias, unificador do diverso, carpinteiro da vida, que Rosinha fosse a Pirajuí, cidade mui bela onde habitava, entre muitos outros, Osmar. Rosinha iria acompanhar a mãe num encontro com umas primas distantes, a respeito de uma herança deixada por um tio. Antes do ocaso, partiam numa caravana com mais três capangas e duas mucamas muito limpinhas rumo a Pirajuí. Em lá chegando, foram direto à casa das primas, que, com chá e biscoito, as receberam de forma cordial e hospitaleira. Como faltava açúcar, dona Isaura Carvalho, mãe de Rosinha, mandou-a à mercearia, acompanhada de uma das serviçais. Por acaso ou não, ocorreu que, neste mesmo instante, Osmar se deu conta de que havia acabado suas cigarrilhas, tão importantes em sua rotina e em sua nobre ocupação, dando-lhe um ar austero que um bom advogado precisa ter. Assim sendo, levantou-se e rumou à mercearia, a mesma já mencionada, para onde também ia nossa querida Rosinha. Osmar chegou primeiro e pediu as cigarrilhas. Abriu o pacote e pegou uma. Quando já ia saindo, chegava Rosinha. Infelizmente, ocupado que estava em acender seu precioso tabaco, Osmar não avistou Rosinha,tendo ela, portanto, jamais se casado com ele.

Ou

À beira da estrada

Eu já havia encostado o carro. Sob o sol quente, desci e bati a porta contra o vento. Eram três horas de uma tarde estonteante, de um sol provocador. Já me aproximava de um município de cujo nome não me recordo, mas que era um município baiano por excelência. À minha frente estava uma barraquinha de lona azul sobreposta a quatro paus tortos. Três crianças atravessavam a pista para recolher o dinheiro e entregarem os umbus – fruta típica dos chapadões semiáridos do Nordeste brasileiro – aos devidos compradores. Inicialmente, hesitei em andar até o outro lado da pista, porém, tateando os bolsos da calça, encontrei duas notas de dez reais. Fui vencido por ter dinheiro, de modo que atravessei a rua. Chamei uma das crianças e lhe pedi dois sacos de umbu dos mais verdinhos, pois iria demorar a comê-los. O menino, que aparentava ter nove ou dez anos, saiu gritando em direção à mãe, a qual estava sentada sobre uma cadeira branca e encardida. Com pressa, a mulher retirou quaisquer sacos de dentro do isopor e os entregou ao garoto para que ele os trouxesse até mim. Pretensiosamente distraído com um passarinho que pousava sobre os paus secos da barraca, o menino não deu ouvido à sua mãe. Em vez disso, procurou agarrar o bicho, mas logo foi surpreendido pelos artifícios que a natureza dera à ave, que saiu voando e foi embora. Risonha, despojada, ave. De súbito, a mãe do garoto berrou, chamando-lhe a atenção. Deu-lhe duas palmadas e o empurrou. Tentando engolir o choro, o garoto veio até mim, bem devagar. De relance, olhei-lhe, mas logo fui seduzido pelos grandes e redondos umbus que descansavam nas sacolas amarelas. Com as unhas cheias de terra, o garoto entregou-me os dois sacos e me disse que cada um custava cinco reais. Disse-me também para eu não inventar de pedir desconto, pois ele já me adiantava que não ia dar. Fiquei sereno por um instante, mas logo um sorriso cobria-me o rosto. O sol parecia enfrentar-nos com sua luz cálida. Algumas bicicletas passavam. Nos bares do outro lado da rua, cartazes de cervejas com mulheres de biquine davam as boas-vindas aos senhores que bebiam. Algum carro chamava a atenção pelo som alto, e o barro da praça era contemplado pelo branco dos cabelos dos senhores que ali jogavam dominó ou fumavam. Antes de pegar as sacolas, dei uma olhada ao redor e avistei as outras crianças que não brincavam, mas vendiam coisas para os viajantes de plantão. Havia outras barracas à frente, com outras mães, e outros garotos, e outras frutas. Como o calor aumentava, decidi dar logo o dinheiro ao menino e resgatar os umbus de seus braços. Dei-lhe dez reais pelo umbu e mais dez de agrado. Seus lábios logo se esticaram em um raro sorriso. Agradeceu-me, com poucas palavras, e saiu correndo de volta à sua mãe, berrando de alegria. Lá ia mais um garoto à beira da estrada.

Fiquem com Deus

Obrigado

Gabriel Malheiros
Enviado por Gabriel Malheiros em 25/02/2014
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