Corruptos de Pilão Arcado, Bahia
E o mistério do déjà vu
Na última quarta-feira (dia 19), assisti, constrangido e impressionado, a uma investigação jornalística intitulada ‘Laranjas do Sertão’ em Pilão Arcado. Como se pode antecipar, tratava-se de mais uma denúncia, de um outro escandaloso esquema corrupto, em mais uma cidadezinha do sertão baiano. Era mais uma oportunidade para reconhecer a veracidade do que se diz por aí: “dê poder a um homem e verás do que ele é capaz”.
A notícia correu trecho, bem na véspera das eleições que estão chegando, e como se sabe, trazendo os sorrisos amistosos, o tapinha nas costas, o comovente beijo na criancinha pobre e a camaradagem exagerada. Finalmente, leva a vitória nas urnas quem melhor representou o papel de bom e honesto moço.
O período eleitoreiro, tornou-se o melhor momento para reanimar velhas práticas arbitrarias dos antigos coronéis, que se valendo do abandono amargado pelo povo sertanejo, souberam se beneficiar com grandes propriedades, constituindo-se donos do sertão.
A pobreza do povo é um exitoso projeto político. Já o projeto de educação é concebido para não acontecer. A saúde precária existe institucionalmente para fragilizar e debilitar ainda mais quem dela necessita. Povo com fome e sede, desdentado e desinformado, doente e mendicante é “presa” fácil dos espertalhões.
Não precisa ir tão longe, para obter a confirmação do que estou dizendo. Pois, o que significou e, infelizmente, ainda significa a ‘indústria da seca’, senão uma estratégia? É perturbador perceber que existem pessoas dispostas a se aproveitarem da calamidade, a fim de galgarem mais verbas, incentivos fiscais, concessões de crédito e perdão de dívidas, amparando-se na alegação de que o povo está morrendo.
Definitivamente, a única promessa que realmente se cumpre nesse joguete político é a consolidação “de ricos cada vez mais ricos, à custa de pobres cada vez mais pobres”.
Na verdade, não há mistério algum nesse déjà vu. Por isso, não venham (por favor!) dizer que o evento noticiado pelo Programa ‘Câmera Record’, sobre os casos de desvio do dinheiro público no município de Pilão Arcado, é acontecimento isolado. O fato é que não estamos diante de uma simples reação psicológica, responsável por nos fazer ter a sensação de que já estivemos em algum lugar com esses mesmos problemas, ou que já vimos aquelas pessoas chorarem por falta de remédio, transporte, água e dignidade. Enfim, não é apenas uma impressão... nós, literalmente, "já vimos" tudo isso acontecer ao nosso lado. Nesse caso, qualquer semelhança não é mera coincidência.
Como diz Patativa do Assaré, em um dos seus cordéis: “Não é Deus quem nos castiga nem é a seca que obriga sofrermos dura sentença. Não somos nordestinados, nós somos injustiçados tratados com indiferença”.
Sendo assim, acho oportuno toda reflexão, debate e mudança de consciência, já que o povo também pode ser acusado de 'acordo corrupto', quando escolhe um desmoralizado para administrá-lo, pois como ressalta um filósofo francês: “cada povo tem o governo que merece”.