A cidade que um dia foi
Devorada, era assim que a ironia chamava o povoado pouco antes da alagação. Mas naquela época a maior parte dos moradores – que um dia foram 7 mil – já tinha ido embora. Quem tinha terras foi indenizado e comprou outras no Paraguai ou no Mato Grosso. Ou então foi vítima de estelionatários, vendeu suas propriedades a preço de banana e foi viver como inquilino em outra parte. De toda forma, era o fim da vila, criada um dia de forma planejada, mas sem saber que os planos de homem são inconstantes e que um dia seria preciso se adequar a um desenvolvimento maior do que o simples comércio entre Foz do Iguaçu e Santa Helena. Assim saíram todos, e aqueles que já não podiam partir por conta própria contentaram-se em sair dos seus túmulos e aguardar que a própria Itaipu os levasse para outro canto. Livre do incômodo dos ossos, incluindo aqueles que ainda andam, Alvorada do Iguaçu pôde enfim ser alagada em nome da hidrelétrica.
Isso já faz mais de trinta anos. Seria tempo suficiente para esquecer se Alvorada do Iguaçu não tornasse a aparecer esporadicamente, agora transformada em ruínas, alicerces de casas, restos de sepulturas. É assim que ela se mostra toda vez que a seca é forte o bastante para diminuir o nível do lago de Itaipu em pelo menos quatro metros. E quando isso acontece começam a afluir antigos moradores, que lá da prainha artificial de Santa Terezinha conseguem avistar a cidade que um dia foi. Tentam se localizar em meio às ruínas e identificar onde eram as suas casas. Descobrem o local de um antigo posto de gasolina. Encontram um poço artesiano intacto. Levantam do chão um tubo de pasta de dente com data de 1976. E lembram-se de tantas histórias que não foram submersas pelas águas do reservatório e que tampouco puderam ser indenizadas pelos royalties.
Mas a Itaipu garante que não há motivo para preocupação: as águas de março irão por fim à seca e a todas as desagradáveis consequências que dela emergirem.