PARABÉNS, HUMBERTO
Humberto, coitado, nunca soube o que era sossego, coisa que os mais refinados chamam de paz de espírito. Passou a vida toda como se fora o mais contente de todos. Não era. Nunca foi. Mas era assim que o viam: como o mais contente de todos. Família é besta. Família quase sempre não percebe nada.
Depois, antes mesmo de perder o “núcleo duro da família”, pai e mãe, dois irmãos e uma irmã, Humberto jogou a toalha. Não queria saber de mais nada. Não queria saber de festa. Não queria saber de ninguém. Não queria ver ninguém. Mas, num dia, só, absolutamente só, como sempre, resolveu fazer o que há tempos não fazia: comemorar seu aniversário.
Tomou banho bem tomado, cortou as unhas (dos pés e mãos), fez barba bem feita, resolveu encarar o mundo: tomou duas batidas e uma lata de cerveja, comprou pizza, de dois sabores. Pagou pelo sabor mais caro (um roubo). Ofereceu dois pedaços ao porteiro, um de cada tipo. O porteiro alegou já ter jantado, obrigado, sábado a gente come demais, todo mundo fica generoso. Humberto lhe ofereceu uma lata de cerveja. Não bebo. Sou evangélico.
Humberto pegou o elevador crente de que o cachorrinho de anos (como não?) emplacaria dois pedaços de pizza: uma de frango, outra de peru. Mas não havia mais cachorrinho...
Humberto comeu as azeitonas sem caroço, bebeu as duas latas de cerveja, entornou um chá de boldo, pediu a Deus que o perdoasse.
No dia seguinte, jogou o resto de pizza fora, junto com as duas latas vazias. E sobreviveu. Porque Deus é pai. Porque sua hora não chegara.