Diário de Sonhos - #069: Lua Cheia
Poucas coisas conseguem exercer um fascínio tão grande sobre mim quanto a visão da Lua cheia, toda branca e luminosa no céu escuro de uma noite quieta e preguiçosa. Poucas coisas, eu disse. Coisas como o barulho da chuva batendo no telhado, o céu nublado e cinzento num dia de folga, o frio impregnando meu quarto enquanto me escondo debaixo de dois cobertores grossos ouvindo música baixinha no escuro... Sou um homem de gostos simples, mas a Lua vai ser algo que eu nunca vou poder tocar. Só observo. É neste amor platônico que nasceu este sonho.
Eu sonhei...
Sonhei que estava numa espécie de parque, fazendo trilha. As árvores subiam bem alto nos dois lados da trilha, de modo que eu não podia ver o que havia além delas. Fazia um dia claro, mas de cores fracas. Junto de mim estavam meus amigos Tamara e Daniel. Fomos andando pelo que parecia ser a trilha principal, que ia descendo suavemente. Chegamos numa clareira aberta, toda coberta de grama bem verdinha. No centro havia uma espécie de coreto. Ao lado havia um circo. Entrei sozinho. Lá dentro, na verdade, era uma gigantesca sala de concerto. Um pianista e um violinista afinavam seus instrumentos. Fiquei encantado com o som daquela sala. Mas eu tinha que voltar para os meus amigos. Uma pena, queria tanto ouvir música ali.
Agora estou na trilha lateral, que ficava à esquerda da principal na entrada do parque. Ali tem mais gente, e também umas barraquinhas de comida e lembranças. No chão havia um mapa do parque, desenhado na areia. Vi que, no final da trilha principal, pegando à trilha à esquerda do coreto, eu chegaria num lugar onde havia estátuas gigantes de homens e criaturas, todas feitas em areia. Perguntei à Tamara se poderíamos ir ver, mas ela disse que o parque já ia fechar.
Voltamos novamente à entrada do parque. Está escurecendo e as pessoas estão indo embora. Mas eu não quero ir. Quero seguir a trilha até o fim e ver onde vai dar. Um guardinha nos alerta de que é perigoso andar no parque à noite. Saio andando. Sei que meus amigos estão perdidos lá na trilha e preciso encontrá-los (e só aí eu percebo que estou sozinho). A trilha vai descendo, mas dessa vez é íngreme e cheia de obstáculos e raízes de árvores expostas. No final da trilha, há uma enorme ladeira que termina num rio. Do outro lado do rio há um enorme paredão de pedras, de onde desagua uma cachoeira. Já é de noite. O céu está limpo. Atrás do paredão vejo um pedaço de uma gigantesca lua que sobe nos céus. Vejo meus amigos tomando água do rio. Lá em cima, no paredão, sombras descem vagarosamente. São lobos caçadores, e estão querendo devorar meus amigos. Grito, e eles sobem a trilha correndo. Os lobos iniciam a caçada. Subimos e subimos sem parar. Há ainda mais obstáculos, e quando chegamos na entrada do parque há uma parede de barro bloqueando nossa fuga. Há somente uma fresta por onde conseguimos passar. Mas, não sei desde quando, passamos a ser acompanhados por uma gazela e um grande urso. A gazela consegue passar pela fresta, mas o urso não. Ele ganha velocidade e destrói a parede com a cabeça.
Chegamos ao portão de entrada do parque, mas está fechado. Somos cercados pelos lobos. Na verdade é uma matilha de lobas. A dona loba, líder da matilha, vem à frente e fala comigo na língua dos lobos. Diz que agora somos moradores do parque, como elas, e que não vão mais nos caçar. Logo penso em descer a trilha de novo pra admirar a lua cheia. Desço alguns metros, mas parece que nossa algazarra produziu um terremoto que destruiu, ou melhor dizendo, remodelou a paisagem do parque. Em certo ponto a trilha some, caindo num imenso penhasco. Lá frente o rio parece que vazou e inundou todo o vale abaixo. O paredão de pedras está em ruínas. Mas a imagem que vejo a seguir foi tão incrível que quando acordei do sonho estava chorando de felicidade.
A Lua cheia pairava no céu. Imensa, e quando digo imensa era gigantesca MESMO, ocupando quase todo o céu à minha frente. Ela era dourada, e contrastava com o céu púrpura. Não sei bem explicar, mas a parte inferior da Lua parecia tocar o rio, e a impressão que eu tive foi a de que a Lua estava vazando e escorrendo naquele rio.
Dezenove de fevereiro de dois mil e quatorze.