Aquela linda marchinha

   Na minha última crônica, falei, embora en passant, sobre a queda vertiginosa da qualidade das músicas carnavalescas, no badalado carnaval de Salvador. E isso não é d´agora. Vem de outros carnavais.
   Citei como exemplo, uma fraquíssima "música" chamada "lepo lepo" que, segundo a imprensa aloprada da capital baiana, poderá vir a ser - não acredito! - o hino do barulhento carnaval salvadorense de 2014, que está começando.
   A propósito, transcrevo um trecho extraído do artigo do poeta, compositor, advogado e jornalista Walter Queiroz Jr, publicado recentemente no jornal A Tarde, com o qual concordo plenamente.
   Escreveu o baianíssimo Waltinho Queiroz: "As rádios compradas pelo "jabá" marginalizaram milhares de artistas e fabricam sucessos medíocres e que contribuem para empobrecer o imaginário das novas gerações."
   Na mesma crônica, o leitor deve estar lembrado, não discuti o mérito profissional do compositor de "lepo lepo".  Limitei-me, apenas, a dizer que  "lepo lepo" é uma "música" (ela não é a única) ruim e que - uma opinião pessoal -, de carnavalesca, ela não tem absolutamente nada.

   Prometera, na dita crônica, só retornar a esta coluna durante a Quaresma  ou na Semana Santa, quando os temas a serem abordados deverão ser menos traumáticos, desde que se aceite o drama do Gólgota como um evento previamente programado por Deus. 
   Não resisti. E aqui estou de volta e falando, mais uma vez, sobre carnaval.
   Não o carnaval de Salvador, agora transformado num imenso palco tomado de assalto por "blocos" de tudo que é tipo e origem, outros sem origem, dançando ao som de musiquinhas que nem de longe confirmam a verdadeira identidade de uma legítima festa momina. Me perdoem se estou sendo excessivamente ranheta.
   Mas vejam o que diz o Walter Queiroz Jr, compositor de belas músicas pros carnavais de ontem: "Praticamos hoje um carnaval movido por interesses argentários, num conluio político-empresarial, privilegiando artistas que ensandecidos pela fama e glória, venderam a alma ao diabo."

   Esta pode parecer uma crônica de um saudosista irrequieto, resistindo em aceitar o que muitos chamam de "carnaval moderno". Não, não é assim. Cada um pula seu carnaval como quer e como pode.
   Todavia, nada impede que um folião aposentado, como este que lhes fala, recorde marchinhas de carnavais passado, tão boas e bonitas, que o tempo não as abafou. E mais: deixaram saudade. Oh! Aqueles velhos carnavais!
   Fiz pesquisas e consultei livros e revistas. E decidi homenagear, este ano, uma linda (aquela..) marchinha carnavalesca, sucesso em 1934, e seu talentoso compositor.
    
          "Linda lourinha
   Linda lourinha/ Dos olhos claro de cristal!/ Desta vez em vez da moreninha/ Serás a rainha do meu carnaval.  =  Loura boneca/ Que vens de outras terras/ Que vens da Inglaterra/ Ou que vens de Paris/ Quero ti dar/ O mau amor mais quente/ Do que o sol ardente/ Deste meu país.   =  Linda loirinha / Tens o olhar tão claro/ Deste azul tão raro/ Como um céu de anil/ Mas as tuas faces/ Vão ficar morenas/ Como as das pequenas/ Deste meu Brasil."

 
    Qui belo! Sem discriminar; sem agredir!
     E o compositor? Ele estudava Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, sua cidade natal, quando começou a compor músicas maravilhosas. Mas seu pai não queria pessoas de sua família "circulando no ambiente da música popular, mal visto na época".
    Para continuar no meio artístico, o brilhante compositor, vocacionado, adotou este pseudônimo: João de Barro. O nome daquele pássaro que constrói sua própria casa, um passarim arquiteto.
   Falo do saudoso Carlos Alberto Ferreira Braga (1907-2006), também conhecido como Braguinha, além de João de Barro. 
    Compositor inspirado, poeta, são dele estas e outras marchinhas: Chiquita bacana, Balancê, As pastorinhas, Pirata da perna de pau, Touradas de Madri e Turma do funil. músicas que não morreram na Quarta-feira de Cinzas.


    Fecho o meu Notebook e abro o meu freezer. Confiro se nele estão as cervejinhas que me ajudarão a atravessar o carnaval, recolhido, desde já, ao meu bairro, a Pituba, onde, pelo menos até a presente data, Rei Momo não ousou pôr os pés. 


 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/02/2014
Reeditado em 23/02/2014
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