A foto do ceguinho!

Por sorte Filóngoncio era cego, pois além do nome feiúra lhe sobrava, da face direita para a esquerda. Pelo menos na avaliação do padrão que entendemos por beleza! Morava em uma cidade interiorana chamada Botafogo, onde literalmente todos os conheciam, e pelo menos dez por cento da população o dava algum “adjutório”, afinal como ele próprio dizia: “Esmola jamais!” Com sua arrecadação diária conseguia não só suprir as suas necessidades; um café na padaria com leite com misto quente pela manhã; um almoço no restaurante a quilo, onde escolhia o prato pelo cheiro do tempero, o sorvete de baunilha com cobertura de morango as tardes, e ao fim do expediente ia mercado onde fazia uma boa compra para levar a sua boa mãezinha, que sabia que em casa era só para jantar e dormir, mesmo assim também juntava uma economia para construir a sua própria casa.

“Filom”, apelido que admitia, assim como também xingava quando o chamavam de “Filó”, não perdia a partida domingueira de futebol no campo de várzea, onde torcia pelo “Flamengo de Botafogo”, um time que entrava em campo com uniforme vermelho e preto tendo uma grande estrela branca no peito. E que em homenagem ao torcedor mais assíduo, e o único que não chamava o goleiro de frangueiro e muito menos o juiz de ladrão, resolveram que naquele domingo a partida seria aberta por um chute de “Filom”. Não deu outra, ele repleto de emoção foi conduzido ao centro do campo pelo capitão do seu time e “pumba”, deu um chutaço e um fez um golaço contra. Ai começou a questão; o gol valeu ou não valeu? O juiz que não conhecia patavinas dos novos, e nem dos velhos, regulamentos da Fifa, mandou registrar na súmula um gol ao meio minuto de jogo.

O ceguinho saiu de campo xingado e literalmente apedrejado pelos torcedores do “Flamengo de Botafogo”, que gritavam “crucifiquem, crucifiquem" e nesta tarde foi lanchar em casa, surpreendendo a mãezinha, encontrando-a conversando com Verônica, uma bela gata morena, que tirou um lenço branco da minúscula bolsa que estava apoiada em sua minúscula saia, e enxugou o rosto de Filógoncio. A cena lembrou a passagem bíblica em outra Verônica enxugou o rosto do Cristo verdadeiro, pois “Filom” correu para não imitar o Salvador. Sua mãe descreveu as belezas da moça, em quase todas as formas. Ele que havia muito não sabia o que era aquilo, sugeriu a mamãe ir coar um café para servir à visitante. Bateram papo, trocaram idéias e o ceguinho ganhou o direito de enxergar todos os principais detalhes da jovem visitante.

No dia seguinte “Filom” fez a barba e aparou o cabelo no salão de seu Dodô que estava doente de raiva pelo gol que e o cliente fizera contra, e como ele não enxergava o cabeleireiro bagunçou o coreto. Aplicou reflexos loiros no cabelo dele, picotou as mechas deixando “caminhos de rato”, fez a barba pela metade, e por ai afora! Certo que estava abafando foi batendo bengala até o estúdio fotográfico de Leôncio, explicando o que queria: “Uma fotografia elegante, que me faça bem bonito”, pediu na intenção de mandá-la para Verônica. Mas o fotógrafo também estava uma fera pelo resultado do futebol, e lhe deu para vestir um paletó amarelo com uma gravata verde desbotado e no bolso um lenço vermelho. Um conjunto de cores para nenhum pintor surrealista botar defeito. Foi ao Correios onde a atendente, de raiva também, preencheu o endereço errado, em vez de chegar as mãos da jovem, em uma cidade vizinha, a carta foi parar na produção de um “Reality Show”, virou atração e dono da foto agora torce pelo Flamengo de verdade, casou com verônica, e sempre argumenta: “Quem disse que aquele gol foi contra? Foi ao meu favor!”

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(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, não é cego, mas se fosse solteiro colocava um óculos escuro e casava com Verônica