Diálogo Literário

Diálogo literário comigo mesmo

Jorge Linhaça

Hoje acordei em meio a um sonho onde começava a “debater” sobre poesia e manifestações culturais populares , nesse trecho do sonho misturavam-se samba de roda com cursos de poesia chinesa , indiana ou sei lá mais o que. Eu e meu interlocutor acabáramos de iniciar um diálogo sobre o assunto quando entrei naquele estado de “acordamento”, quando o sonho foge a nos agarramos a alguns fiapos do mesmo para tentar não perdê-lo totalmente.

E desse fiapo esgarçado de sonho é que me veio a necessidade de refletir escrevendo ou de escreve refletindo, como queiram, sobre a minha necessidade do ato de escrever.

Longe de mim fazer disto um confessional ou um libelo sobre a escrita ou entrar pela senda da teoria literária, são apenas considerações obre a minha própria produção, no tempo e no espaço, nas formas e subformas com que gosto de brincar.

E é justamente brincando com essas subformas que me permito entrevistar o meu espelho, tentando encontrar, em meio às aparentes dissonâncias dos meus trabalhos, um fio condutor que me explique o ecletismo e as fases alternantes em meu trabalho.

Então , neste texto, Egroj entrevista Jorge buscando respostas que poderão tornar-se , ou não, mais perguntas.

Egroj:

- Por que você começou a escrever, o que escrevia e sobre o que escrevia?

Jorge:

- Na verdade a necessidade de escrever nasceu sem um motivo específico, talvez pela necessidade de desafiar-me a descobrir novas maneiras de me expressar. Tudo veio mais ou menos junto e misturado, mas para estabelecer uma cronologia mais ou menos correta, poderia dizer que iniciei minhas letras com a curiosidade de descobrir se poderia fazer alguns versos. Quase que simultaneamente, com um lapso d e tempo insignificante entre ambos, encontrei-me escrevendo minha primeira peça de teatro. No entanto era coisas ocasionais, nada que implicasse em uma produção sistemática, nem quantitativa e nem qualitativa. Apenas escrevia quando me dava na telha.

Egroj:

- E quando foi eu começou a produzir mais sistematicamente?

Jorge:

- A bem da verdade, creio que foi lá por volta do início dos anos 2000, quando comecei a escrever alguns poemas e partilha-los com amigos na internet, tudo bem restrito, sem maiores pretensões. Volta e meia recebia algum comentário e jamais tive noção de qual caminho meus rabiscos seguiram para acabar indo parar no primeiro grupo de poesias para o qual fui convidado. O Amantes do Amor e da Amizade, que recentemente completou 9 anos de existência. Depois disso foi um multiplicar de convites e, na ânsia de ter meu trabalho comentado, quando me dei conta já eram algumas dezenas de grupos.

Egroj:

- E qual era o tipo de poesia que escrevia?

Jorge:

A bem da verdade, comecei a ser notado com poemas eróticos, sensuais... mas minha inquietude me levou a escrever poemas religiosos e de humor...nesse momento, graças á orientação de amigos, que perceberam que meu potencial ia além do mexer com a libido das pessoas, comecei a diversificar minha produção, indo desaguar em poemas de amor e enveredando pela poesia social, esta última, o patinho feio dos grupos poéticos. Não foram poucas as vezes que ouvi que as pessoas queriam divertir-se e não encontrar a realidade fria das mazelas sociais estampadas no écran de seus computadores.

Egroj:

- Então desistiu das poesias sociais?

Jorge:

Jamais. Embora tenha perdido grande parte de meu público inicial, mormente quando larguei mão de vez do erotismo exacerbado, continuei a fazer o que manda minha consciência, para mim, escrever é mais do que um ato lúdico, é um ato de cidadania, de contestação e de reflexão sobre causas e efeitos.

Egroj:

- Mas essa perda de público leitor não lhe trouxe sentimentos de rejeição ou coisa parecida?

Jorge

- A bem da verdade trouxe sim, um misto de decepção e de desencantamento, afinal, como todo escritor iniciante e mesmo depois de mais maduro, o poeta/escritor, necessita de uma avaliação/validação de seu trabalho, e isso pode vir através de um “Lindo”; “Parabéns”, “Maravilhoso”, “Adoro te ler”... Ou mesmo de críticas ácidas sobre sua maneira de escrever.

Quando não ocorre nem uma coisa nem outra, a impressão que recebemos é de que nosso textos caem num imenso vazio e que o nosso ato de escrever parece não ter sentido.

Egroj:

- Você considera que houve algum tipo de evolução no seu trabalho desde aquela época?

Jorge

- Eu considero que aprendi muito que descobri formas diversas de escrever, enveredei pela prosa, pelas crônicas, pelos contos, pelos artigos e, principalmente pelas formas da poesia clássica, especialmente os sonetos que junto aos cordéis, são as formas que me dão maior prazer em construir. Logo depois vem os Rondós e os rondeis, as Trovas, as Sextinas, os Vilancentes, os Gazais, os Triolés, as Auroras e etc. Estou sempre buscando um novo desafio.

Egroj:

- Todo escritor ou poeta tem seus referencias, seus preferidos na literatura que lhe fazem buscar, não a imitação, mas a linha condutora de sua obra. Quais seriam os seus?

Jorge:

- Essa é uma pergunta que para mim se reveste de uma grande multiplicidade, já que não me enquadro na linha de um único escritor. Mas poderia dizer que na poesia, Gregório de Mattos e Bocage são meus TOP de linha, seguidos de Augusto dos Anjos e Luiz Gama.

Na prosa, Monteiro Lobato e Ziraldo, além de Maria Clara Machado permeiam a minha produção infantil.

Já nos textos infanto-juvenis ou adultos eu poderia citar minha admiração por Emile Zola, Alexandre Dumas, Jlio Verne , Homero, Ariano Suassuna, Guimarães Rosa e tantos outros que preencheram meu mundo durante a juventude.

Egroj

- Na sua fase atual, qual é o seu maior foco na escrita?

Hoje tenho me dedicado a escrever contos de terror, mesclando as criaturas fantásticas com o horror que vivenciamos em nossa sociedade no dia a dia e, algumas vezes resgatando fatos históricos que não seriam concebíveis nem na mente de Stephen King, Cesar Romero ou Tarantino. Na verdade o Terror está estampado em cada noticiário do dia a dia e a função de meus contos é a de conscientizar a nossa sociedade entorpecida, adormecida e hipnotizada pela tecnologia, de que o terror não é mais apenas um faz de conta. Temos uma multidão de zumbis perambulando pelas ruas, outros tantos vampiros a nos espreitar a cada dia e simplesmente não conseguimos enxergar tal realidade. Ou, o que é ainda pior, desviamos nossos olhos dessa realidade com medo de sermos engolidos por ela, o que os torna vítimas potências retratadas em meu próximo conto de terror ou de outros autores.

O Terror nada mais é do que um relato surreal do que acontece à nossa volta.

Egroj

- E quanto à poesia? Desistiu dela?

Jorge

- Por vezes penso que ela é quem desistiu de mim....kkkkk...Mas na verdade tenho retomado a produção da mesma, não com tanta intensidade como antigamente, mas volta e meia produzo um soneto aqui, um cordel acolá, faço uma releitura de textos antigos, e divulgo textos antigos que jazem esquecidos em alguma gaveta virtual.

Egroj

- E a sua produção infantil? Houve um tempo me que suas poesias vinham acompanhadas de atividades didáticas, o que houve com elas?

Jorge

- Perdi o foco ao mesmo tempo em que os professores pareceram perder o interesse nas minhas publicações. Volta e meia escrevo algo mas hoje isso é muito raro. Aliás, meu ato de escrever tornou-se mais raro , exceto alguns textos direcionados a um público em particular, estou aos poucos buscando aquele ímpeto inicial que me fazia produzir de cinco a dez poemas num único dia, mas a vida vai mudando, as coisas vão acontecendo e creio que não deixa de ser salutar tirar o pé do acelerador de tempos em tempos. Mas quando sinto a necessidade de escrever, como agora, ocupo-me disso de maneira intensa em cada palavra.