"SIMBORA GENTE."

A favela costumava abrigar personagens de todos os tipos. Nela surgiam, ninguém sabe de onde, seres tão impressionantes, quanto inacreditáveis. Alguns tão surreais, que somente um picadeiro chamado favela poderia garantir o sucesso e a longevidade de suas existências. Foi assim que surgiu a "Simbora Gente", uma negra absurdamente estridente, completamente desconcertante, convocando o povo à uma espécie de resistência na luta pela sobrevivência, conclamando-o a um último fôlego na derradeira batalha pela vida, exigindo as últimas nesgas de força adormecida dentro de si com seu grito de guerra peculiar: "Simbora Gente!!!” Foi assim que se apresentou a todos nós, desafiando os homens com o seu humor debochado, sua pilhéria sarcástica, sua ginga boêmia, suas manhas, sua mumunhas, seu viver efusivo, somado a um certo grau positivo de loucura natural, potencializado pela combinação explosiva e abusiva do álcool. Uma mulher, que apesar de tantos sofrimentos, tantas humilhações, tantas dificuldades, fazia seu povo sorrir, esquecendo por um brevíssimo tempo as tragédias suas de cada dia. Uma artista em cartaz continuo no teatro mambembe da comunidade. A diva das insanidades, em espetáculos itinerantes, no palco armado à céu aberto, com luzes de lua e assoalho de barro. Em shows gratuitos, sem hora de começo ou de encerramento, produzido por sua loucura contínua. Uma velha mulata, distanciada do mundo real, se exibindo em carnavais temporões sem fim. Vestida em fantasias coloridas como a vida e sujas como o chão batido da favela. Confeccionadas com garrafas descartáveis, sacos de leite, resto de cetins dos blocos, sobra de fazendas das roupas religiosas. Metidas em seus batuques farristas, em suas gargalhadas sem nexo, em seus cantos desarmônicos, rasgando os ouvidos em retumbar estridente, que ecoava do raiar do dia a escuridão da madrugada. Era diretora, carnavalesca, passista, porta-bandeira, ritmista, puxadora de um grandioso bloco carnavalesco invisível, com uma bateria de espíritos inquestionavelmente infernais. Seus batuques eram coroados por seus cacos faiscados, inesquecíveis, inconfundíveis. Aguçados por seus gritos negros, fortes, graves, que ecoavam levados pelo vento que varria as longas ruas. Bordão que soava como alavanca de propulsão para alegria, que debochava das tristezas, que rasgava as paredes das casas humildes, que impregnava o espírito dos moradores de gargalhadas convulsivas. Pra onde soprasse a brisa, pra lá seguia a velha mulata, carregando seu minúsculo saquitel de alegria pelo tempo, vida à fora. Desfilando triunfante pelo tapete vermelho das ruas de massapé. Portando seu estandarte de encanto como bandeira. Deslizando acrobática em mirabolantes evoluções. Cantando seus enredos risíveis, sambando em sua empolgação irracional. Exibindo suas coreografias pitorescas, exalando diversão e esperanças para seu povo impregnado de dores, apregoando seu desejo sincero de um erguer moral em mangações divertidas : "-Simbora Gente!!!"