O FUTEBOL.

Na favela a bola rolava durante os finais de semana. Mais precisamente aos domingos, quando a enorme massa de trabalhadores, a maior parte pertencente ao ramo de serviços braçais, se vestia entusiasmadamente com as cores de seus times de coração. Deixavam de lado sua dura realidade operária, seu dia a dia de concreto e davam asas aos seus sonhos adormecidos de atletas profissionais. Nestes tempos, uma quantidade enorme de terrenos baldios se transformavam em disputados campos de futebol. Antes de toda e qualquer partida, sempre acontecia a famosa vaquinha pra manutenção. O zelador, era qualquer um com aptidões administrativas e com um pequeno senso de liderança, escolhido pelos jogadores para cuidar do bom funcionamento do estádio improvisado. Andava de um lado para o outro, por fora do campo, munido de Lápis e caderno, onde fazia suas enigmáticas anotações, recolhendo as pacatas contribuições dos atletas ainda no aquecimento, no vestiário a céu aber to, aflitos por entrarem logo no jogo. As torcidas eram sempre grandes, vibrantes, organizadas. Homens, mulheres, crianças, davam a favela um clima de alegria descomunal, singular, contagiante. Caminhavam em enormes procissões profanas, com seus gritos, seus fogos, suas batucadas. Em suas gigantescas caravanas alvoroçadas de entusiasmos, a torcer por suas amadas equipes nas finais dos chamados jogos de camisa. Eram as famílias do Onze Unidos, do Chega Mais, do Mocidade, do Nova União, do Mobral, do Santos, do Cruzeiro, do Penharol, do Furacão, do Larbom, do Gira-Sol, do Pantanal, do M.L, do Juventude e de tantos outros. As bandeiras com os escudos característico das equipes varriam das laterais, soprando entusiasmos, impulsionando seus atletas. Os fogos de artificio estouravam sem ordem, sem cadência, deixando no ar um cheiro agradável de pólvora queimada, naquelas manhãs barulhentas. Os baticuns dos tambores e o ressoar das cantorias se misturavam em afáveis emboladas à beira campo, acirrando doces rivalidades em meio as alegrias desmedidas. Os troféus reluziam do lado de fora, junto aos enormes latões de cerveja e deliciosas batidas de limão, pêssego e maracujá, sob as muitas sacas de gelo. Serviam-se de estimulo à dedicação e a raça dos jogadores, eram os louros dos vencedores. Antes do apito, a oração. Antes do chute, os apertos de mão. E a bola rolava pesada, no campo ingrime, disforme. Numa primeira jogada mais dura, o juiz advertia. Numa segunda entrada faltosa, surgia logo o primeiro cartão amarelo. Se os ânimos se exaltassem, não exitava em apresentar-lhes o cartão vermelho. Se a quizila continuasse fora do campo, era algum membro das turmas de malandragem, saracoteando entre as torcidas, que intervia, garantindo a paz e a amizade dos opositores. Depois do jogo duro, as rodas de samba solto, de incontáveis quantidades cachaça e cerveja, do churrasco cheirando longe, do fim das rivalidades, dos pedidos de desculpas, da confraternização, do colorido sem fim, do misturar de torcidas e jogadores. Agora todos formavam um time só, o imenso time da alegria, do prazer, da amizade, do respeito, do carinho, da irmandade, da contemporaneidade, da efemeridade de suas breves existências. Agora eram todos integrantes do doce favela futebol clube. (Maestro Das Ruas Dudu Fagundes)