DESENCONTRO

Era manhã de inverno. Como sempre, ela levantaria cedo para a sua caminhada matinal. A ela não faria diferença o tempo; se frio, se calor, se escuro, claro ou chuvoso. Saia sempre no mesmo horário e aquele era o momento em que se encontrava consigo mesma. Observava o fraco movimento de pessoas na rua pela manhã e se integrava com tudo no entorno. A praça cheia de árvores, meio escura. Sempre prestava mais atenção para ver se tinha algum risco. Sabe-se lá, em que condições estariam as pessoas que encontraria numa hora dessas, ainda mais que muitos moradores de rua escolhiam pernoitar por aquelas paradas. Não tinha medo, mas sentia necessidade de ser cautelosa, observadora. É incrível como o cérebro humano é condicionado! Qualquer imagem de longe tomava contorno de ser humano. Aproximava-se e era apenas uma planta, um saco de lixo, umas tralhas abandonadas pela rua. Até acostumara-se até com isso. Adquiriu o hábito de ficar olhando até definir com segurança o que via. Mas a primeira imagem era sempre o vício do cérebro condicionado. Vez ou outra se enganava. Parecia umas tralhas e era a miséria humana. Sob papelões, restos de colchões, tapetes, etc, havia alguém dormindo. Sempre se assustava. E pensava:

- como esse pessoal tem a capacidade de tornar-se invisível, confundir-se com a paisagem!

- Devem fazer isso como um sistema de defesa. Havia uns aparelhos de ginástica na praça. Ela resolveu se mexer um pouco por lá. Observou em volta e não havia visto ninguém. De repente, de longe algo se mexe. Ela ficou a observar. Ele levantou, pegou uma mochila, uma garrafinha de agua, escova de dentes, pasta de dente e escovou os dentes, lavou a cara, se ajeitou com a roupa. Olhou para ela. Ela achou melhor ir embora. Dia seguinte lá está ela se exercitando, quando um pouco mais próximo, ele repete o mesmo ritual. Ela ficou pensando... a cena foi tocante desde o dia anterior. E agora se repetia ... o que teria levado ele a estar na rua? Não perdera ainda noção de higiene, talvez precisasse de ajuda, mas ela não teria coragem. Esqueceu-se do assunto. No dia seguinte, ele estava mais próximo. Assim que ela percebeu sua movimentação achou melhor ir embora. E não fora nunca mais à praça para se exercitar.