Tomar uma sopa
De vez em quando faz um friozinho sem explicação em Brasília e eu aproveito para tomar uma sopa – e às vezes eu tomo sem friozinho mesmo. A sopa, como a Mafalda nos ensinou, está para a infância assim como o comunismo está para a democracia. Mas há muito eu já passei dessa fase (infância, comunismo, esses negócios). E como até hoje não se tem notícia de que alguma vez o Fidel tenha elogiado a sopa, eu posso tomar a minha sem remorso.
E tomo ao final do dia num daqueles restaurantes saudáveis, ou que pelo menos dizem ser, já que também servem pizzas e coisas assim. Normalmente eu misturo sopa de legumes com sopa de feijão e alguma outra sopa qualquer de sabor esquisito. Sento ao fundo do restaurante, dou umas assopradas básicas para não queimar a língua e começo a tomar bem devagar. De vez em quando paro e começo a olhar as pessoas ao redor. Muita gente já nem está mais tomando sopa, apenas conversando. Outro dia vi ao meu lado um tiozinho com cara de intelectual conversando com a mulher. Ele explicava alguma coisa para ela, alguma coisa sobre artigos acadêmicos, linhas de pensamento, correntes filosóficas. Um papo chato pra caramba se você está tomando sopa. Mas o mais inacreditável é que a mulher realmente prestava atenção. Ou talvez não estivesse prestando atenção, mas olhando fixamente para ele e pensando “como é inteligente”. Achei aquilo bonito, não sei por quê. Não é todo dia que deixam a gente falar abertamente sobre aquilo que estamos com vontade de falar.
Depois me levantei para pagar e entreguei ao caixa uma porção de moedinhas para completar o valor exato da minha sopa – porque eu sei que eles estão sempre pedindo pra gente facilitar o troco. A mulher sorriu e disse que eu era o único cliente que pagava com dinheiro trocado. Sai de lá pensando nisso. O único! Ninguém mais além de mim paga uma sopa com dinheiro trocado. E o pior de tudo é que nem faço isso por amor ao próximo: é simplesmente para evitar maiores discussões.