Manchas brancas nas unhas
Entre os muitos amigos da minha avó havia a Tia R, que se tornou uma pessoa de suma importância na minha vida. Parecia índia pele morena café-com-leite, cabelos lisos e pretos como os dos índios. Ela foi escolhida para me batizar. Minha madrinha R era casada com um sobrinho da minha "Doiê". Não sei quem foi que a escolheu para me batizar. Se foi a minha mãe, ou se foi a Doiê. Só sei que minha avó tinha verdadeira paixão por ela. Cada vez que minha madrinha visitava minha avó era sempre uma festa, dia especial. Todos a esperavam com alegria, desde a minha avó até os meus tios e também a criançada toda. Ela sempre me trazia algum presente e guloseimas para a garotada. Não era muito frequente a ida dela lá, uma ou duas vezes por ano. Eu, na minha mente de menininha sonhava sempre com o dia em que ela viria e traria o meu presente. Sonhava com o presente. O que seria dessa vez? As pessoas ao meu redor alimentavam um pouco esses sonhos em mim.
Quando queriam conseguir me demover de alguma teimosa, logo diziam:
-Se você não andar na linha falo pra sua madrinha não trazer nada pra você.
-Fique boazinha, seja obediente, senão sua madrinha não vem mais te ver.
Isso aumentava a minha expectativa em relação à ela e à vinda dela para nos visitar.
Me lembro que tinha, vez ou outra, umas manchinhas brancas nas unhas.
As pessoas me diziam que quando essas pintinhas apareciam nas unhas era porque se ganharia um presente. Cada pinta um presente. E eu ansiosa, verificando sempre quantas manchinhas contava nas unhas e me punha a sonhar com os presentes que ganharia. E me entristecia se as unhas estivessem perfeitinhas, sem manchas. Quando das suas visitas, à tarde ela se punha a conversar com a minha "Doiê" e, egocentrismos infantis à parte, o assunto era sempre eu. Dizia sempre do quanto gostava de mim. As duas falavam muito também do quanto me achavam especial, etc ... de tal forma que essas conversas contribuiriam sobremaneira para a formação de uma faceta da minha personalidade. De tanto ouvir que era boa, inteligente e especial, quando adulta, passei a exigir de mim mesma nada menos que perfeição. Nem é preciso ser psicólogo pra saber o resultado problemático disso. E minha madrinha sempre terminava essas conversas dizendo que me levaria para morar com ela, assim que estivesse em idade escolar.