BOM LER VOLTAIRE.

"A certeza matemática, porém, é imutável e eterna.

Existo. Penso. Sinto. Será isso tão certo quanto uma verdade geométrica? Sim. Por que? Porque as verdades se provam pelo princípio de que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Não Posso existir e simultaneamente não existir, sentir e não sentir. Um triângulo não pode ter cento e oitenta graus – a soma de dois ângulos retos – e ao mesmo tempo não os ter.

De mesmo valor são, pois a certeza física de que existo, de que sinto e a certeza matemática, embora de gêneros diversos.

O mesmo não acontece com a certeza que se funda em aparências ou testemunhos unânimes dos homens.

Que é a tolerância?

É o apanágio da humanidade. Estamos todos empedernidos de debilidades e erros; perdoemo-nos reciprocamente nossas tolices, é a primeira lei da natureza.

É claro que todo indivíduo que persegue um homem, seu irmão, porque não é da sua mesma opinião, é um monstro. Isto está fora de dúvidas.

Que é virtude? Beneficência para com o próximo.

O prudente faz o bem a si, o virtuoso fá-lo aos homens. S. Paulo teve razão ao dizer que a caridade implica a fé e a esperança.

Vivemos em sociedade; nada existe de verdadeiramente bom para nós senão o que beneficia a sociedade. A virtude entre os homens é um comércio de benefícios; o que não participa desse comércio não deve ser considerado.

Que é a virtude, meu amigo? É praticar o bem: pratiquemo-lo e será o suficiente.

Fanatismo é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que é a raiva para a cólera. Aquele que tem êxtases, visões, que considera os sonhos como realidades e as imaginações como profecias é um entusiasta.

De ordinário, são os velhacos que conduzem os fanáticos e que lhes põem o punhal nas mãos. As seitas dos filósofos estavam não somente isentas dessa peste como constituíam o remédio para ela: pois o efeito da filosofia é tornar a alma tranquila e o fanatismo é incompatível com a tranquilidade.

Até o presente não conheci quem não tenha governado algum estado. Não falo dos ministros que governam efetivamente, uns dois ou três anos, outros seis meses, outros seis semanas. Falo de todos esses senhores que, à hora das refeições ou em seus gabinetes, expõem seu sistema de governo, reformando os exércitos, a igreja, a magistratura e as finanças.

Mas é preciso convir em que homens avisados, dignos sem dúvida de governar, têm escrito sobre a administração dos estados, seja na França, na Espanha ou na Inglaterra. Seus livros têm feito muito bem: não porque hajam corrigido os ministros então no governo, já que um ministro não se corrige de modo algum nem pode ser corrigido: é árvore já muito crescida; basta de instruções, basta de conselhos; escasseia-lhe tempo para os ouvir, arrasta-o a corrente dos negócios.

Mas esses bons livros formam a juventude destinada aos cargos. Formam os príncipes, e a segunda geração é instruída.

Mas que pátria escolheria um homem sábio, livre, um homem de fortuna medíocre e sem preconceitos?

— Que tal achais o governo do grão mogol? – perguntou o conselheiro.

— Abominável – respondeu o brâmane. Nossos rajas, nossos omrás, nossos nababos estão muito contentes; mas os cidadãos muito ao contrário, e milhões de cidadãos são alguma coisa.

O conselheiro e o brâmane percorreram, conversando, toda a alta Ásia.

— Cheguei a uma conclusão – disse o brâmane: – que não existe sequer uma república em toda esta vasta parte do mundo.

— Julgo, – disse o brâmane – que não deve haver sobre a terra senão pouquíssimas repúblicas. Raramente são os homens dignos de se governar por si mesmos. Tal felicidade não deve pertencer senão a povos pequenos, que se insulem em ilhas ou entre montanhas, como coelhos a se esconderem dos carnívoros. Mas sempre acabam sendo descobertos e devorados.

Quando os dois viajantes chegaram à Ásia Menor, perguntou o conselheiro ao brâmane:

— Em que estado, sob que domínio preferiríeis viver? – perguntou o conselheiro.

—.Mas, – ainda uma vez disse o europeu – que estado escolheríeis? – Respondeu o brâmane:

— Aquele onde apenas se obedecesse às leis.

— É uma velha resposta, – argüiu o conselheiro.

— E não é má – disse o brâmane.

— Onde fica esse país? – perguntou o conselheiro.

— É de mister procurá-lo – respondeu o brâmane."

É SEMPRE BOM LER VOLTAIRE.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 17/02/2014
Reeditado em 17/02/2014
Código do texto: T4695229
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