Sobre o risco de se ter certezas
Não enxergamos aquém do infravermelho, nem além do ultravioleta. Isso significa uma gota d’água no oceano de estímulos que o universo produz. E sempre cremos em nossos olhos! Nossa audição capta uma estreita faixa de decibéis. E jamais duvidamos de nossos ouvidos! Queimamo-nos com o calor e com o frio. Somos uma máquina adaptada a sobreviver em um planeta muitíssimo específico e desenvolvemos habilidades sensitivas para captar sensações que nos são úteis na luta pela vida. A questão é que nosso cérebro cresceu, e com ele o nosso orgulho, a nossa necessidade de nos sentirmos especiais, meio e fim de uma pretensa criação. Tornamo-nos entidades dispostas a ter uma explicação. E toda explicação parte da premissa de que somos o centro. Pior: resolvemos confiar plenamente em nossos sentidos para explicar tudo. E como temos muitas perguntas, fabricamos certezas tão frágeis…
Um dos maiores desafios dos cientistas atuais é achar um modelo físico que explique, de forma coerente, tanto o mundo macro, quanto o microscópico. É que as teorias da relatividade de Einstein, que explicam com precisão todas as interações entre os objetos do macro-universo, não são compatíveis com o que se observa nas relações do mundo microscópico. Estudiosos até têm uma boa ideia. É o que chamam de “teoria de tudo”. Mas, para que esta teoria seja compatível com as observações o mundo teria que ser bem diferente daquilo que nossos sentidos mostram: 12 dimensões (em lugar das quatro que percebemos: três espaciais e uma temporal), multiuniversos conectados por buracos negros, transferência de força gravitacional entre universos… Um monte de coisas que não existem, é só olhar em volta, certo? Talvez não. Seus olhos dizem isso, mas quem disse que eles são confiáveis?
Nossa percepção é muitíssimo estreita. É como se usássemos uma burca com pequena abertura, através da qual podemos enxergar uma fresta da realidade. É como se olhássemos o mundo através do buraco da janela. Cada vez que se inventam telescópios, microscópios, sensores diversos, o homem amplia a abertura da burca, alarga a fresta da janela, enxerga melhor. O problema é que para que a teoria de tudo seja confirmada, nossos melhores sensores precisariam ser amplamente turbinados. Algo longe de ser alcançado.
Resultado: nada pode ser provado. Nada pode ser descartado. Na verdade, podemos explicar, ou entender, menos de 10% dos fenômenos que nos cercam. E teimamos em ter respostas. Sejam elas através da ciência, sejam através da religião, do misticismo. Acontece que o espectro que está ao nosso alcance não nos dá nenhuma resposta definitiva, nem científica, nem místico-religiosa.
E discriminamos em nome das nossas verdades. E exploramos amparados em nossas certezas. E matamos em nome dos nossos dogmas…
“O risco de se terem certezas está exatamente em querer que estas sejam válidas pra todos, em quaisquer circunstâncias. A beleza da vida está na busca por compreensão, assim como na aceitação de que ela jamais será plena. O segredo da convivência está em não abrir mão dos seus argumentos, mas aceitar que são apenas teorias, e como tais, passíveis de contestação. O sentido existência reside em procurar conhecimento, alargar ao máximo a burca e, assim, extasiar-se com o quão bela é a realidade que, nem em sonhos, podemos ousar desvendar por inteiro”.
Bem, essas são as minhas verdades, minhas teorias. Mas, humildemente, aceito plenamente as suas.