POETA

“Eu canto, porque o instante existe

E minha vida está completa

Não sou alegre nem triste

Sou poeta!”

Sempre fora o passarinho. Adorava rimar. Amava recitar seus versinhos simples, mas havia um problema: cada vez que criava um novo, esquecia o antigo. Decorava um e o outro fugia. Passarinho dizia que poesia era que nem ele, não gostava de gaiola. Vinha e ia… Ai de quem não fosse esperto e a aprisionasse na única grade possível. Com caneta e papel. Mas, passarinho não sabia escrever, nem ler.

Servente de pedreiro, passarinho manejava a pá, o carrinho de mão, a enxada; enquanto sua cabeça voava longe. Pra ele, havia poesia em tudo:

“O sol nasce de manhã

Traz a alegria e o amor

Espalha a vida na terra

Nos dá a vida e o calor

Portarretrato que guarda

Imagem do Nosso Senhor”

Passarinho arranjara uma forma de aprisionar suas poesias. Não podia confiar em sua memória, então, sempre que um poema aparecia pronto em sua mente, largava o serviço e saía em disparada em busca de alguém pra escrevê-lo pra ele. No bolso, um caderno e uma caneta. Na cabeça, um sonho: escrever um livro.

“A lua é um pratão de doce

Que fica voando no céu

Doce de coco com leite

Adoçado com muito mel

Periga desequilibrar lá de cima

Gerando cá em baixo um escarcéu”.

Logo que Passarinho fazia um poema, ou que um poema aparecia feito fantasma na sua cabeça, porque, como ele sempre diz, “poesia já nasce prontinha, vem feito fantasma, a gente só não pode é estragar ela (sic)”, outro já aparecia logo. E ia Passarinho correndo de caneta e papel em punho.

A situação, que já estava meio estranha, pois o rendimento de Passarinho no serviço estava cada vez menor, piorou quando ele conheceu a Edvirges.

“Menina dos lábios de mel

Dá um pouco pra eu prová

Se eu beijo essa boca doce

Faço ocê se apaixoná

Pois sou mulato matuto

Mas sei bem a arte de amá”

Poesias nasciam e cresciam como mato em terra boa. Passarinho já quase nem trabalhava. Perigava perder o emprego. Mas, ele era poeta. Servente de pedreiro era só um bico.

***

Passarinho entrou para o programa Brasil Alfabetizado meio a conta-gosto. Estava convencido de que a não tinha cabeça para escrever e ler. Era bom mesmo só para pensar. Uma professora havia uma vez dito que ele era muito avoado. “Não dava para os estudos”. Só confirmou sua matrícula, depois que o alfabetizador prometeu escrever todos os poemas para ele. Agora, já virou tradição. Ninguém entra pra sala de aula antes que Passarinho recite seu poema do dia. Edvirges, também aluna do programa, diz que não, mas já está caidinha pelo Passarinho. Até fica com os olhinhos brilhando quando ele recita as poesias. Quando Passarinho olha pra ela e pisca, ela baixa os olhos, toda vermelha.

Passarinho realmente apresenta muitas dificuldades para ler e escrever. Parece que tem algum bloqueio, ou coisa parecida. Mas, no fim de novembro, com a ajuda da alfabetizadora, escreveu:

“O dom de rimar que Deus me deu

Precisava ser completado

Faltava eu mandar nas letrinhas

Coisa que me deixava bolado

Mas hoje estou ficando bom nisso

Com ajuda do Brasil Alfabetizado”