Outro dia lá no convento

Passava das seis da tarde e o sol já se despedia, era primavera. Sentamos, eu, minha mãe e meu pai, mateando entre causos e reflexões. Eu adorava ouvir as vozes da experiência mesmo que muitas vezes eu não concordasse com algumas palavras.

De repente um silêncio, acabou o assunto. Eu olhando para o nada, vi uma rosa, lembrei daquele tempo lá no convento. Aquelas freirinhas gostavam muito de rosas, inclusive, acho que os santos também gostam, sempre tinham flores daquela espécie perto das lindas e minuciosas estátuas e imagens.

_Mãe tu sabes que lá no convento, nós também falávamos sobre os dilemas da vida? Refletíamos, muito mais do que dialogávamos, também né, era uma vida de contemplação. Lá, tudo era silêncio na maior parte do dia, mas ainda bem que tínhamos a hora do recreio, eu adorava esse tempo, ríamos, cantávamos, tudo isso enquanto fazíamos tercinhos e alguns artesanatos.

A rotina era sempre a mesma, acordávamos bem cedo, mas teve um dia que eu não acordei, nem com o sino, nem com a batida sutil que a irmã Cecília deu na porta às cinco e meia da manhã.

Permaneci naquele sono profundo até que eu ouvi um canto suave e distante, eram elas entoando o salmo do dia. Puts, dormi demais! Levantei as pressas, nem lembro se lavei o rosto, sei que vesti a saia que cobria minhas pernas até as canelas, rapidamente coloquei a camiseta e fui para a capela.

Chegando lá, a coordenadora das noviças apenas olhou-me, meio brava, mas com vontade de rir. A futura irmã, Lucia que faria seus votos no próximo mês, ao meu lado não conteve o riso ao me ver procurar naquele livro enorme, cheio de fitas coloridas que marcavam as leituras diárias, o trecho bíblico que a irmã Beatriz proclamava. Acontece que eu folheava o livro das leituras da noite, e o dia acabara de amanhecer.

Durante o dia nós sempre trabalhávamos, cada uma tinha seus afazeres. Cheguei a aprender técnicas de pintura, eu e a irmã Lúcia, pintamos juntas aquela linda toalha que cobre a mesa do altar da Igreja matriz. É, foi um tempo bom, às vezes sinto saudade delas, eram tão queridas...

Quando eu as observava, pensava: nasceram pra isso. Sabe pai, é como aquele médico, que ama tanto aquilo que faz, que doa seu tempo, atende no final de semana e até depois do horário. Estudou muito e por isso merece o tanto que recebe, mas se ver alguém necessitado, até agenda uma consulta à noite de graça. Seu prazer, seu objetivo de vida, é tornar o sofrimento dos outros, um pouco menor.

Elas são exatamente assim, partiram em busca de um bem maior. Deixaram suas famílias e até alguns sonhos que tornaram-se pequenos diante da grandiosidade de um chamado a ser o que são. Mulheres fortes, que não medem esforços pelo bem da humanidade, que acordam antes do sol nascer para pedir a Deus por todas as pessoas, inclusive seus familiares e amigos.

Eu nunca as vi pedirem por si mesmas, doavam-se inteiramente pelo outro, a elas bastava o mínimo, apenas o necessário. Assim elas viviam, dia após dia, muitos não entendem, outros tantos até as criticam. Poucos encontraram seu ideal de vida, o real motivo da sua existência, acho que isso explica muita coisa.

Eles me olhavam ainda atentos. Eu encerrando aquele assunto sem um final, disse:_Tá mãe, me dá mais um mate, to com a garganta seca de tanto falar. Enquanto tomava o último chimarrão, pensava: como é bom estar em casa.