Antes era melhor?
Quando criança, costumava ouvir um programa de rádio em Sorocaba que se chamava “Antes era melhor?”. Assim mesmo, com interrogação no final, como quem não tem muita certeza do que afirma. Um programa só de flashbacks, músicas antigas que eu gravava em jurássicas fitas cassete TDK60.
Durante os anos 80, todo mundo fazia festa dos anos 60 (ah, bom mesmo era a Jovem Guarda). Na década passada, a moda eram os bailes dos anos 80 (ah, época boa aquela do rock nacional). Um ciclo recorrente. A eterna volta ao passado em busca da felicidade perdida.
No filme “Meia noite em Paris”, de Woody Allen, o pernóstico Paul diz que nostalgia é a negação de uma vida infeliz ante à incapacidade de encarar o presente. É a síndrome da Era de Ouro, a crença exagerada de que as coisas eram melhores no passado do que agora. O protagonista, Gil, acredita que os anos 20 foram os melhores da história, e quando é magicamente remetido à Paris dessa época percebe que os personagens acham que bom mesmo era viver na Paris de 1890.
Estamos sempre venerando algo que não mais existe, um tempo perdido.
Foi em busca desse tempo perdido que o escritor Marcel Proust usou suas famosas madeleines como instrumento para invocar sensações e lembranças do passado, reminiscências da infância na casa dos avós em Combray. Há alguns anos revisitei Manaus, cidade onde passei um pedaço importante da minha infância. Desci em desabalada a avenida Eduardo Ribeiro pra encontrar as tapiocas de coco que eu amava comer quando criança, mas meu experimento Proustiano não funcionou. Mudou a tapioca? Não, muito provavelmente mudei eu. Não sou mais a mesma criança de seis anos de idade e isso muda tudo, inclusive o paladar. Seremos sempre os mesmos, mas nunca mais os mesmos. A irrepetibilidade do passado é o que confere o sabor doce e ao mesmo tempo amargo do saudosismo.
Mas é certo que a nostalgia pode ser induzida pelos sentidos, como audição, paladar e olfato. Eu por exemplo não posso sentir a esdrúxula combinação de cheiro de feijão cozinhando com cheiro de enceradeira que imediatamente me transporto para o apartamento de um amigo de infância, o Neto. A gente estudava à tarde, e pela manhã a casa dele exalava esse cheiro singular. Então até hoje feijão com enceradeira tem cheiro de infância, de inocência, de felicidade perdida.
Mas a nostalgia é uma reconstrução idealizada do passado, embaçada pela insidiosa poeira dos anos e editada pelos atalhos traiçoeiros da memória. Tentamos encapsular o tempo a partir de uma visão romântica que ardilosamente ignora o lado feio do que já passou.
Antes era melhor? Não sei. Antigamente eu tinha apenas as medievais fitas cassete, onde só cabiam meia hora de música de cada lado, mas que eu ouvia até gastar. Agora tenho 237 terabytes de arquivos de mp3 de todas as bandas do mundo, mas que raramente ouço. Teria que reencarnar sete vezes para conseguir ouvir metade disso. Ficou tão fácil se conectar com o mundo que se tornou difícil se conectar com a pessoa ao lado. Meu filho tem 300 brinquedos e às vezes não consegue brincar com nenhum. Tenho 144 canais de TV a cabo e não consigo achar nada que dê cabo do meu tédio existencial. Talvez porque quem tem tudo no fundo não tenha nada, e o fastio do excesso faça a abundância parecer escassez. Então antes era melhor? Não, é provável que seja apenas ilusão. Morro de saudades do meu Atari, dos LP’s de rock, da época que achava que podia voar e dos toscos enlatados que passavam na TV aberta, mas é preciso admitir que muita coisa melhorou de lá para cá, na minha vida e no mundo, da Economia à Medicina. Talvez até estejamos vivendo uma Era de Ouro que só descobriremos, nostálgicos, daqui a duas décadas.
Adquiri muitas certezas inquebrantáveis junto com meus cabelos grisalhos e meus pés de galinha, mas uma dúvida até hoje me atormenta:
Afinal de contas, antes era melhor?