Por falar em violência
Ainda em 1985, Hélio Pellegrino escreveu um artigo muito bonito contra a pena de morte, motivado que foi pela inclusão desta proposta no plano de governo de Jânio Quadros, candidato à prefeitura de São Paulo. Pellegrino, o menos lembrado dos cavaleiros mineiros do Apocalipse, entendia a pena de morte como um crime contra justiça e contra o esforço civilizatório da raça humana – apesar dos contorcionismos ideológicos daqueles que tentavam legitimá-la. Na sua visão, a pena de morte tinha como fundamento não o desejo de reparação ou de justiça, mas a sede bruta de vingança. Ao adotá-la, ficaríamos filosófica e moralmente comprometidos e emparedados pela lógica do axioma “olho por olho, dente por dente”. Chamava a atenção para a situação absoluta e irreparável que ela gera, o que só seria minimamente legitimável se os julgamentos humanos tivessem um grau absoluto de certeza. Também apontava a incompatibilidade entre a pena e uma visão cristã do mundo. E destacava o quanto estamos comprometidos com a injustiça e, em resultado, com a delinquência.
Tenho me lembrado bastante desse artigo nos últimos dias porque, embora não seja a pena de morte que esteja em pauta, muito tem se falado em “justiça com as próprias mãos”. Tem-se encontrado contextos e justificativas para tornar a violência, se não aceitável, ao menos compreensível. Mesmo após milênios de “esforço civilizatório”, ainda há disposição para fazer uma guerra se acreditarmos que ela nos trará a paz. Na pior das hipóteses, ela nos vingará daqueles que, de forma absoluta e irremediável, já condenamos à pena de morte moral. No fundo há uma certa preferência pela lei de Moisés em relação àquele permissivo Evangelho. Como não me vejo no outro, que jamais será o meu próximo, também não paira nenhuma responsabilidade sobre mim.
Do mesmo artigo pinço a frase: “Humanizar-se – ou hominizar-se – é poder suprimir ou sublimar os impulsos primitivos que nos levam a combater o crime – com o crime”.