A outra margem do rio
Cresci às margens do rio e nele encontrei um amigo, um companheiro de todas as horas. Tudo ali girava em torno de suas águas vivificadoras. Elas alimentavam todos os seres: animais, vegetais, minerais e à minha imaginação, desde cedo, ilimitada, obra do criador.
Logo ao nascer do sol, a neblina que se estendia por todo seu leito, em meu campo visual, da minha casa à curva distante do rio acima, me envolvia e tornava-me parte daquele mundo de sonho infantil. À medida que o sol se erguia e as águas do rio emergiam daquele mundo leitoso, em suave deslizar, em crespas correntezas, com remansos aqui e acolá, eu também ia acordando para o dia e para a vida.
As tarefas diárias começavam ali, às margens do meu rio. Sempre acompanhada de algum adulto, eu nadava, primeiro com as mãos apoiadas ao fundo, perto da margem esquerda, onde morávamos. De uma hora para outra me soltei e fui além, sob o olhar cuidadoso de quem me acompanhava. Recebi orientação de que, aquela beleza superficial do rio, poderia tornar-se perigosa, caso nos aventurássemos sozinhos, sem conhecer os segredos de suas entranhas, e, assim como podia alimentar toda a cadeia da vida, também poderia matar.
Tomando consciência, à medida que crescia, procurava conhecer melhor os segredos das águas e como navegá-las com segurança. A cada dia, vibrava com os avanços conquistados. Não satisfeita em conhecer os segredos e tomar intimidade com meu rio, resolvi atravessá-lo.
Do lado esquerdo, onde morávamos saí, e, à medida que eu avançava, as águas iam se aprofundando. Olhei para traz, percebi que estava a um quarto da distância total de uma margem a outra. Parei já com água ao pescoço. Prosseguia ou voltava? Minha curiosidade era maior. A correnteza tornara-se forte, precisei muito esforço para não me deixar levar. Sabia que a partir daquele ponto precisaria nadar com meus próprios braços e pernas.
Respirei fundo, e me pus em movimento. A correnteza era muito forte e tive medo de não conseguir. Estava a meio rio. Olhei a margem oposta à que morava e achei muito distante de onde estava. Perscrutei um ponto bem abaixo, em relação à margem esquerda, de onde saí. Não me parecia ter nenhum obstáculo. Já estava cansada. Resolvi boiar e nadar tipo cachorrinho, sem me debater contra a correnteza. Consegui respirar e me acalmar. Cheguei à outra margem, bem distante do local onde planejara. Saí da água, sentei-me sobre a tabatinga e ainda ofegante, olhei a minha margem do rio.
As casas entre as árvores desapareceram, inclusive a nossa, ficando à mostra somente parte do telhado. Parecia-me, agora, desnuda, com vários pontos de erosão em meio às plantações dos ribeirinhos. Dali, eles tiravam o sustento, hora plantando, ora pescando. Viviam daquela rotina e os filhos seguiam-lhes os passos. Provavelmente, poucos conheciam o outro lado.
Levantei e andei rio acima, a realidade circundante era totalmente diferente daquela que imaginava, vistas através da neblina matinal e o fogaréu do por do sol em cada outono. O sol brilhando na tabatinga, a areia branquinha num triângulo formado pela foz de um riacho cheio de peixes que desaguava no rio, em suave marulhar. Senti um arrepio ao contato da água fresquinha, nas pernas, ao atravessá-lo. Mais à frente, as mangueiras que me pareciam mata fechada, à visão da outra margem, agrupavam-se deixando os raios do sol alcançar o chão repleto de frutas maduras e cheirosas. Colhi uma e fui degustando enquanto caminhava rio acima. A certa altura, percebi que a diferença de um lado e outro era muito acentuada. Apurei minha atenção e vi detalhes que não conhecia do meu lado do rio. A esguia palmeira por trás do telhado alongava-se rumo ao céu azul e o sol matinal, ali próximo, brilhava em reflexos multicores distribuindo a energia que me dera condições de ali está, do outro lado do rio, em deslumbrada admiração.
Perambulei um bom tempo em variadas direções. Descobri tanta coisa que ainda não conhecia e, principalmente, a beleza e energia do sol matinal, vista de frente, do outro lado do rio.
Aprendi que nem sempre as coisas são como parecem. Que precisamos enfrentar a correnteza, mas, não nos deixar levar por ela. Nadando sempre em frente calcular os perigos, boiar e sem cansaço ou medos, seguir até a outra margem, aprendendo a transitar de um lado a outro com segurança.
Praia do Anil, 14 de dezembro de 2013.
Logo ao nascer do sol, a neblina que se estendia por todo seu leito, em meu campo visual, da minha casa à curva distante do rio acima, me envolvia e tornava-me parte daquele mundo de sonho infantil. À medida que o sol se erguia e as águas do rio emergiam daquele mundo leitoso, em suave deslizar, em crespas correntezas, com remansos aqui e acolá, eu também ia acordando para o dia e para a vida.
As tarefas diárias começavam ali, às margens do meu rio. Sempre acompanhada de algum adulto, eu nadava, primeiro com as mãos apoiadas ao fundo, perto da margem esquerda, onde morávamos. De uma hora para outra me soltei e fui além, sob o olhar cuidadoso de quem me acompanhava. Recebi orientação de que, aquela beleza superficial do rio, poderia tornar-se perigosa, caso nos aventurássemos sozinhos, sem conhecer os segredos de suas entranhas, e, assim como podia alimentar toda a cadeia da vida, também poderia matar.
Tomando consciência, à medida que crescia, procurava conhecer melhor os segredos das águas e como navegá-las com segurança. A cada dia, vibrava com os avanços conquistados. Não satisfeita em conhecer os segredos e tomar intimidade com meu rio, resolvi atravessá-lo.
Do lado esquerdo, onde morávamos saí, e, à medida que eu avançava, as águas iam se aprofundando. Olhei para traz, percebi que estava a um quarto da distância total de uma margem a outra. Parei já com água ao pescoço. Prosseguia ou voltava? Minha curiosidade era maior. A correnteza tornara-se forte, precisei muito esforço para não me deixar levar. Sabia que a partir daquele ponto precisaria nadar com meus próprios braços e pernas.
Respirei fundo, e me pus em movimento. A correnteza era muito forte e tive medo de não conseguir. Estava a meio rio. Olhei a margem oposta à que morava e achei muito distante de onde estava. Perscrutei um ponto bem abaixo, em relação à margem esquerda, de onde saí. Não me parecia ter nenhum obstáculo. Já estava cansada. Resolvi boiar e nadar tipo cachorrinho, sem me debater contra a correnteza. Consegui respirar e me acalmar. Cheguei à outra margem, bem distante do local onde planejara. Saí da água, sentei-me sobre a tabatinga e ainda ofegante, olhei a minha margem do rio.
As casas entre as árvores desapareceram, inclusive a nossa, ficando à mostra somente parte do telhado. Parecia-me, agora, desnuda, com vários pontos de erosão em meio às plantações dos ribeirinhos. Dali, eles tiravam o sustento, hora plantando, ora pescando. Viviam daquela rotina e os filhos seguiam-lhes os passos. Provavelmente, poucos conheciam o outro lado.
Levantei e andei rio acima, a realidade circundante era totalmente diferente daquela que imaginava, vistas através da neblina matinal e o fogaréu do por do sol em cada outono. O sol brilhando na tabatinga, a areia branquinha num triângulo formado pela foz de um riacho cheio de peixes que desaguava no rio, em suave marulhar. Senti um arrepio ao contato da água fresquinha, nas pernas, ao atravessá-lo. Mais à frente, as mangueiras que me pareciam mata fechada, à visão da outra margem, agrupavam-se deixando os raios do sol alcançar o chão repleto de frutas maduras e cheirosas. Colhi uma e fui degustando enquanto caminhava rio acima. A certa altura, percebi que a diferença de um lado e outro era muito acentuada. Apurei minha atenção e vi detalhes que não conhecia do meu lado do rio. A esguia palmeira por trás do telhado alongava-se rumo ao céu azul e o sol matinal, ali próximo, brilhava em reflexos multicores distribuindo a energia que me dera condições de ali está, do outro lado do rio, em deslumbrada admiração.
Perambulei um bom tempo em variadas direções. Descobri tanta coisa que ainda não conhecia e, principalmente, a beleza e energia do sol matinal, vista de frente, do outro lado do rio.
Aprendi que nem sempre as coisas são como parecem. Que precisamos enfrentar a correnteza, mas, não nos deixar levar por ela. Nadando sempre em frente calcular os perigos, boiar e sem cansaço ou medos, seguir até a outra margem, aprendendo a transitar de um lado a outro com segurança.
Praia do Anil, 14 de dezembro de 2013.