O mundo é bão, Sebastião
Simplesmente não entendo porque as pessoas procuram tanto chifre em cabeça de cavalos quando o assunto é explicar a origem e a razão da vida, a relação entre religião e ciência…
As teorias científicas mais aceitas consideram uma determinante que chamam de “princípio antrópico”. Segundo esta teoria, na explosão primordial houve a criação de dois componentes básicos: matéria e antimatéria. Acontece que esses componentes ao se criarem e entrarem em interação, consomem-se mutuamente. O mundo só não morreu no ninho porque se produziram mais elementos de matéria do que de antimatéria. Somos filhos de uma pequena assimetria. Assim, sobrou material para que fossem criados átomos primordiais de Hidrogênio, que se aglomeraram e formaram estrelas, que são bombas de fusão nuclear. Com Hidrogênio, as estrelas fizeram (e fazem) Hélio, depois outros elementos mais pesados, inclusive o Carbono que compõe você e eu. E como os cientistas sabem disso? Simples. A única receita possível para que estivéssemos aqui é essa, e como estamos aqui, só pode ter acontecido bem assim. É o princípio antrópico: se eu estou aqui pra olhar pro céu, pra filosofar sobre a vida, pra matar em nome de deuses, pra emporcalhar o planeta, pra sonhar com a Angelina Jolie; é porque as coisas aconteceram de forma a permitir que eu aqui esteja. E se dá pra conhecer o passado a partir da análise das variantes necessárias pra criar a vida humana, é possível aplicar a mesma lógica para prever o que irá acontecer.
É claro que isso é complicado e não tem qualquer relação com as bobagens a que se chama de horóscopo, por exemplo. Mas, de certa forma, nosso destino está marcado, determinado por leis básicas, imutáveis, sobre as quais não temos domínio.
Muito estranho de se afirmar, mas, de certa forma, a ciência diz, lá do seu jeito, que “tudo está na mão do criador”.
São muitas as congruências: faça-se a luz, dizem de diversas formas, as diversas religiões (E como são iguais em sua essência). Foi uma explosão, dizem os cientistas. Tudo foi criado para que fosse adequado ao ser humano, afirmam os diversos ramos teístas. Princípio Antrópico, dizem os acadêmicos. Faça-se do nada, tudo; pregam os religiosos. Matéria a partir da energia de fundo a partir de flutuações do vácuo, ensinam os teóricos.
Mas há uma inconsistência básica. O tipo de deus. A maioria das religiões teoriza sobre um deus teísta, individualizado, humanizado, envolvido com conchavos aqui e ali e capaz de mudar tudo, subverter todas as regras básicas do universo para beneficiar um escolhido, sempre em detrimento dos demais. A isso chamam de milagre.
O deus de que a ciência fala (sem saber e sem admitir) é deísta, impessoal, distante. É o deus do universo, não o deus dos humanos. O deus da ciência é o universo e suas leis irreversíveis.
É em nome da fé, da necessidade de se ter ética, moral, solidariedade que se justifica o teísmo. É em nome do sentir-se especial, do ser objeto de uma mudança em todo o universo, com todas as conseqüências possíveis, para que um milagre se estabeleça que a chama divina permanece acesa.
Mas a vida por si só é um milagre. Poder contemplar as estrelas e pensar sobre elas, discorrer sobre tudo, mesmo sabendo nada, espantar-se com a lua cheia, com a grandiosidade do mar. Apaixonar-se, eternizar-se em filhos, poder existir… Isso já basta. É incrível que o homem ainda precise de regras ditadas por entidades teorizadas para ser (ou fingir ser) justo, honesto, ético.
A vida se paga e se justifica. O mundo é bão, Sebastião.